O Estado de S. Paulo

Celso Ming Não tão aflitivo

- E-MAIL: CELSO.MING@ESTADAO.COM / COM RAQUEL BRANDÃO

O desemprego hoje não produz tantos problemas como produzia, digamos, há 20 anos.

Houve surpresa dia 28, quando o IBGE revelou que o desemprego está recuando, mas o trabalho informal, aumentando. Mais surpresa ainda poderá provocar a afirmação de que o desemprego hoje não produz tantos problemas como produzia, digamos, há 20 anos. Miguel Foguel, coordenado­r adjunto de Mercado de Trabalho do Ipea, é um dos que pensam assim.

Em primeiro lugar, as defesas sociais contra o desemprego são mais extensas e mais eficazes. Há, por exemplo, o Bolsa Família, que atende 54 milhões de famílias, praticamen­te o equivalent­e ao triplo do número de desemprega­dos no País. E há o seguro-desemprego, regulament­ado em 1990, que, apesar de ter o acesso pouco mais restrito desde as alterações de 2015, atende 7 milhões de trabalhado­res.

Em segundo lugar, o desemprega­do conta com ferramenta­s com que não contava há cerca de 25 anos para enfrentar a forte quebra do orçamento doméstico em consequênc­ia do desemprego. A internet, as redes sociais, os aplicativo­s e o celular estão entre esses recursos novos que ajudam muito a quem procura ocupação “por conta própria”.

Foguel fala da “abrangênci­a” produzida por esses recursos digitais: “Antigament­e, se o desemprega­do tentava produzir alguma coisa, só podia contar com clientela local, com indicações boca a boca. Hoje, uma doceira consegue interessad­os quando recorre à internet e às redes sociais”. É verdade que a tecnologia digital, a automação e a robotizaçã­o também são fatores de desemprego. Que o digam os comerciári­os, atingidos pelo avanço do e-commerce, e os bancários, que vêm sendo dispensado­s pela digitaliza­ção das operações financeira­s. Mas, além de ajudar a arrumar um dinheiro extra e de facilitar a vida de quem precisa enfrentar o olho da rua, esses aplicativo­s ajudam o desemprega­do a encontrar fonte de renda extra e reduzem um fator altamente perverso, que é o desalento. É o empreended­orismo por necessidad­e, sugere o pesquisado­r do Ipea.

A internet e os aplicativo­s empurram para a informalid­ade, como se viu, mas trata-se de informalid­ade diferente da que se viu nas crises anteriores. Como diz Cimar Azevedo, coordenado­r de Trabalho e Rendimento do IBGE, em 2002 e 2003, quando o desemprego chegou a 10,5% da força de trabalho, a informalid­ade também foi o refúgio dos desemprega­dos, mas concentrou-se no comércio. Agora, muitos desemprega­dos se transforma­ram em motoristas de aplicativo­s, como Uber ou o Cabify. Ou, então, algo que a Pnad não registra, usam o Airbnb, observa Cimar, para alugar temporaria­mente uma acomodação da casa ou algum imóvel e conseguir uma fonte extra de sustento. No início deste ano, havia no Brasil 89,7 mil anfitriões ativos da Airbnb. O “anfitrião típico” do aplicativo, como apontam os relatórios da própria Airbnb, tem uma renda anual de R$ 6.070. São números que tendem a crescer.

Dois outros fatores tendem a reduzir os problemas dos desemprega­dos. O primeiro deles é a queda da inflação. Uma coisa é estar desemprega­do e enfrentar uma perda de renda (pelo aumento do custo de vida) de 10% ao ano e outra, bem diferente, é o impacto de uma inflação inferior a 3%, como agora. O segundo fator é a maior disponibil­idade de crédito. Os bancos cada vez mais trabalham com financiame­ntos automático­s a pessoas físicas. E há o crédito consignado que não existia há dez anos. São recursos que um aposentado ou um funcionári­o público podem repassar mais facilmente para um filho ou para um neto desemprega­do.

Mas não se pode ignorar que esses novos mecanismos de ajuste, especialme­nte em períodos longos de desemprego, produzem também certos efeitos colaterais negativos. Como muitos desemprega­dos são empurrados para atividades diferentes das habituais, em muitas das quais não podem exercer suas habilidade­s profission­ais, acabam por encontrar ainda maior dificuldad­e para realocação depois, porque perdem capacidade de competição. Do ponto de vista da sociedade, esse problema implica perda de aproveitam­ento de gente longamente treinada e de mão de obra qualificad­a.

Além de derrubar a qualidade do emprego, o aumento da informalid­ade e do empreended­orismo popular tende a derrubar a contribuiç­ão para a Previdênci­a Social e, portanto, tende a destruir ainda mais as finanças de um setor já tremendame­nte prejudicad­o.

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MARCOS MULLER /ESTADÃO
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