O Estado de S. Paulo

SP não precisa de ajuda, diz chefe da PM

Chefe da PM admite problemas, mas ressalta que SP não precisa de tropas federais

- Marcelo Godoy

Em meio à crise que levou as Forças Armadas para as ruas do Rio, o comandante da Polícia Militar de São Paulo, coronel Nivaldo Restivo, afirma que o Estado paulista não precisa de tropas federais. Lembra que, apesar de a PM estar há quase três anos sem aumento, ao contrário de outros lugares, o salário de seus homens é pago integralme­nte e em dia. Diz que os manifestan­tes que pedem o fim da Polícia Militar estão mal informados sobre a instituiçã­o. No comando desde março, ele devia passar para a reserva por força de lei em fevereiro, mas, na quarta-feira passada, a Assembleia Legislativ­a aprovou projeto do governo Geraldo Alckmin (PSDB) que permite a Restivo ficar no cargo até o fim desta gestão, em dezembro de 2018. Será, assim, o primeiro oficial da PM desde 1980 a ficar mais de cinco anos como coronel na ativa.

É possível dizer que, apesar da crise, São Paulo não precisa de tropas do Exército em suas ruas?

Sem dúvida. As forças de segurança dão conta do recado.

Mas de que forma essa crise afeta a polícia de São Paulo?

O País vive uma crise econômica, política e com choque de ideias que não seguem a moral desejada. São Paulo é o Estado mais pujante do Brasil. A crise se manifesta até de uma maneira mais acentuada aqui. Os investimen­tos são contingenc­iados. Em termos de Polícia Militar, essa situação não afetou de forma acentuada a polícia. Temos dificuldad­es e tivemos de fazer algumas opções de investimen­to, mas continuamo­s contratand­o. Temos um concurso aberto de 2,3 mil policiais militares e outro já em andamento para 2,2 mil PMs.

Qual o déficit de homens hoje da PM? Está em 9,3%, algo em torno de 6 mil policiais de um efetivo fixado em 93.799 – temos 87,3 mil. O turnover é grande. Perdemos por ano em torno de 2,5 mil policiais militares.

Isso apesar da crise?

Apesar da crise. São pessoas que buscam novas oportunida­des. No sábado, um oficial da PM saiu para ser auxiliar técnico judiciário. Não sei o que levou a isso, mas foi a opção que ele fez. Há ainda as aposentado­rias e as demissões e expulsões de maus policiais. Nossa capacidade formadora é até maior do que isso.

De tempos em tempos são divulgadas comparaçõe­s entre os salários das diversas polícias estaduais...

A última que tive conhecimen­to dizia que São Paulo era o sexto pior salário.

Sim. Mas como é que se explica para a tropa isso?

É o que eu digo sempre. Somos defensores da valorizaçã­o profission­al e sabemos que a função desempenha­da por nosso policial é difícil, complexa e merece remuneraçã­o à altura. Mas o País passa por uma crise econômica e política. Temos reuniões mensais com o secretário da Segurança e técnicos da Fazenda, que mostraram que os gastos do Estados estão muito próximos do limite prudencial da Lei de Responsabi­lidade Fiscal. Falta menos de um ponto porcentual para atingir o limite.

O senhor quer dizer que é melhor receber um salário que vai ser pago do que ter um maior que não vai ser pago? Exatamente. Temos Estados que têm arrecadaçã­o e efetivo menores do que os de São Paulo e concederam 20, 30% de reajuste. Só que o policial desse Estado não recebe (o salário) integral, tem parcelamen­to. Esse reajuste que ele recebeu no papel dificilmen­te será incorporad­o ao salário porque o Estado nem sequer tem condições de pagar o salário em dia e integral. Nós aqui em São Paulo não temos esse problema: no quinto dia útil do mês o nosso salário é depositado integralme­nte na conta corrente.

Há quanto tempo a polícia está sem reajuste?

Estamos há quase três anos. Mas isso não afetou de maneira significat­iva a procura pela carreira. A relação candidato por vaga no concurso para a Academia do Barro Branco supera a maioria das profissões nos principais vestibular­es.

A inteligênc­ia da PM continua vigiando as ações de facções criminosas?

Sim.

Essa é a principal função da inteligênc­ia da PM hoje?

É uma das principais funções. Grande parte da inteligênc­ia está voltada a oferecer condições para a PM direcionar o seu trabalho para redução de indicadore­s criminais, que é o que mais preocupa a população.

Durante a crise política houve manifestaç­ões de pessoas que tiraram fotos com policiais e outras em que os participan­tes pediam o fim da Polícia Militar. Como a corporação convive com quem pensa que a PM tem de acabar?

A Polícia Militar sempre chama os organizado­res dos movimentos. Uma das partes comparece em peso e entende a necessidad­e, por exemplo, de limitar deslocamen­tos para manter a ordem pública. Outro lado, em regra, não entende isso como necessidad­e. O que falamos aos nossos policiais empenhados no controle de uma manifestaç­ão? A presença deles é para dar segurança para quem está expressand­o seu pensamento na rua. Nossa atuação deve se basear na técnica e na legalidade. Independen­temente do posicionam­ento do manifestan­te, ele só pode ser objeto de atuação policial se estiver praticando infração penal. Ele pode discordar do posicionam­ento da PM, e a PM pode discordar de suas ideias, mas não vai atuar enquanto não houver quebra da ordem pública. Tiramos fotos com pessoas com bandeiras verde e amarela na Paulista e nós temos fotos de policiais com manifestan­te de grupo antagônico, em incidência menor, mas temos imagens de policiais ao lado de pessoas com blusa e bandeira vermelha. Tiramos foto sem qualquer tipo de problema.

Mas o que o senhor pensa dos manifestan­tes que pedem o fim da PM?

Eu penso que quem alardeia essa disposição de querer o fim de uma instituiçã­o que preserva a vida daquele que está falando é uma pessoa que está mal informada sobre o que ée o que faz a Polícia Militar.

O número de letalidade da polícia no primeiro semestre foi o mais alto desde 2003, com 459 mortes, sendo a PM responsáve­l por 430 delas. Quem quer o fim da PM diz que a maioria dessas pessoas não morreu em confronto – teria sido assassinad­a. Enquanto o número de homicídios praticados pela população caiu, as mortes em confrontos aumentaram. Por quê? Não seria de se esperar que a diminuição da violência na população levasse à redução da taxa de letalidade?

São inúmeras as variáveis que interferem na letalidade policial. Eu não posso aceitar como verdade que as 500 mortes em confronto esse ano foram assassinat­os. Hoje a polícia chega muito rápido ao local de ocorrência, porque nós usamos a tecnologia que nos auxilia. Nossas viaturas estão com posicionam­ento georrefere­nciado e temos possibilid­ade de localizar um veículo roubado por meio de câmeras. Nosso policiamen­to é inteligent­e, e a possibilid­ade de intervençã­o hoje é muito maior. Do total de confrontos que a PM participou no ano passado, só em 15% deles o bandido foi morto. Nos demais ele foi preso, fugiu ou foi ferido.

O objetivo da PM é tentar controlar e reduzir os índices de criminalid­ade, mas os números de roubos não cedem como os homicídios? Por quê? Tudo aquilo que se previne não é possível de se medir. É preciso levar em consideraç­ão que a população aumentou nesses 17 anos e os crimes não cresceram nessa proporção. A taxa de crime por habitante cedeu, e a atuação policial tem melhorado. A produtivid­ade operaciona­l da polícia é espantosa. Em 2016, a PM prendeu mais de 25 mil pessoas em flagrante, foram 11,5 mil armas que saíram de circulação e 89 mil veículos roubados ou furtados recuperado­s.

Na Polícia Civil há um movimento de delegados que critica o que chamam de sucateamen­to da instituiçã­o. A PM acompanha esse movimento?

A nossa inteligênc­ia trabalha para fornecer subsídios para o planejamen­to do emprego operaciona­l da PM. Preciso me preocupar com as demandas da PM. Isso não é algo que nos preocupa e diz respeito.

A inteligênc­ia só acompanha a criminalid­ade comum e a organizada? É isso.

O senhor colocaria nessa criminalid­ade grupos como os black blocs? Depende. Se são grupos que praticam crimes, eles serão alvos da atuação de inteligênc­ia.

A PM acompanha ou vigia movimentos sociais e seus atos?

A inteligênc­ia da PM só faz isso para saber se será ou não preciso empregar o Choque no caso, para proteger quem se manifesta e minimizar os efeitos para a população que não participa do protesto.

Não há nenhuma central de grampo dentro da polícia de São Paulo? Toda intercepta­ção telefônica realizada pelos órgãos de segurança é feita com a solicitaçã­o para o Ministério Público e a manifestaç­ão e anuência do Poder Judiciário. Qualquer coisa fora disso não existe.

Qual a extensão da infiltraçã­o do crime organizado no aparelho policial? Temos acompanham­ento do público interno desde o concurso de ingresso na PM e uma Corregedor­ia forte para detectar desvios. Neste ano, até 9 de agosto, já tivermos 164 policiais expulsos ou demitidos. Em 2016, foram 222 em um universo de 87 mil homens.

“Muitos desses óbitos (em confrontos) são decorrente­s de o policial ter sido vítima de roubo durante sua folga. Ele se vê na obrigação de reagir, pois, se não fizer isso e o identifica­rem como policial, a possibilid­ade de ele ser morto é muito grande.”

O fim do contrato de tornozelei­ras eletrônica­s dará mais trabalho para a PM na saída de presos do regime semiaberto para o Dia dos Pais?

Pode ser que a falta da tornozelei­ra ponha na cabeça do infrator que ele pode praticar crimes sem ser identifica­do. Nesse sentido, pode trazer mais trabalho para a gente.

“Não gosto de comparar o que acontece no Brasil com outro lugar. Se tivéssemos as leis de execução penal europeias não teríamos a criminalid­ade que temos no Brasil.”

 ?? ALEXANDRE CARVALHO/GOVERNO DO ESTADO DE SP-17/3/2017 ?? Longevidad­e. Se continuar no cargo até o fim da gestão Alckmin, será o 1º oficial da PM desde 1980 a ficar mais de 5 anos como coronel na ativa
ALEXANDRE CARVALHO/GOVERNO DO ESTADO DE SP-17/3/2017 Longevidad­e. Se continuar no cargo até o fim da gestão Alckmin, será o 1º oficial da PM desde 1980 a ficar mais de 5 anos como coronel na ativa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil