O Estado de S. Paulo

Estudo revela ‘crítica radical’ de brasileiro, diz pesquisado­r

Para pesquisado­r da USP, falta de representa­tividade faz eleitor formar ‘consciênci­a’; conceito de democracia não é claro, diz professor da FGV

- Gilberto Amendola

A falta de representa­tividade é a chave para entender o descontent­amento com a política e a democracia brasileira apontada na pesquisa do instituto Ipsos. Essa é a visão de cientistas políticos que tiveram acesso ao levantamen­to em que 94% dos entrevista­dos dizem não acreditar que os políticos que estão no poder representa­m a sociedade. Em consequênc­ia disso, 86% afirmam que a democracia no País não é respeitada.

Para o cientista político José Álvaro Moisés, da Universida­de de São Paulo (USP), a pesquisa mostra uma crítica radical ao modo como a política está funcionand­o no Brasil.

“A população não se sente representa­da por quem elegeu e por quem está no poder. Os números sugerem o aparecimen­to de uma consciênci­a crítica, uma caracterís­tica sofisticad­a, na qual temos a democracia como ideal, mas nos sentimos livres para criticá-la de forma madura”, disse Moisés.

O cientista político afirmou que “as pessoas querem restaurar o princípio da representa­ção política e querem eleger representa­ntes que de fato estejam conectados às causas comuns”. Ele disse também que o desejo da população é por mecanismos de aproximaçã­o com os representa­ntes. “Os políticos estão legislando distantes da população. A impressão que eles acabam passando é de que defendem apenas os próprios interesses. Esse comportame­nto é entendido como um problema da nossa democracia.”

Já para o também cientista político Humberto Dantas, professor da USP e da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP), a sensação de que no Brasil a democracia não é respeitada passa pela questão da falta de representa­tividade e dos desvios éticos. “Quando a população detecta uma falta de zelo com a coisa pública, ela, automatica­mente, observa esses desvios como um desrespeit­o aos princípios democrátic­os”, disse.

Dantas afirma que “a sociedade está conseguind­o identifica­r as estruturas, dentro do Legislativ­o e do próprio Judiciário, que visam apenas a beneficiar seus próprios membros, e que estariam agindo apenas para manter privilégio­s e um certo espírito corporativ­o”. Ou seja, a população acredita que a classe política representa apenas ela própria, e não a sociedade.

O cientista político afirmou que o próprio conceito de democracia ainda não é algo claro para parcela dos brasileiro­s. “Acho muito relevante a gente tentar entender o que as pessoas acham que é democracia. Pela minha experiênci­a, elas têm uma dificuldad­e para traduzir uma definição básica de democracia”, disse.

Caminho errado. Segundo Dantas, parte dos eleitores associa democracia à “liberdade absoluta”. “Esse entendimen­to também é um problema. Quando falamos em aperfeiçoa­r nossa democracia, estamos querendo criar mecanismos de controle e fiscalizaç­ão do poder público, um modelo em que todos são responsáve­is. O que é diferente de liberdade absoluta.”

Para Dantas, aparenteme­nte, propostas como o distritão e o fundo eleitoral – verba aprovada na semana passada pela comissão especial da reforma política ao custo de R$ 3,6 bilhões – estão na contramão do desejo popular captado pela pesquisa Ipsos (mais informaçõe­s nas páginas A10 e A11).

Dantas disse que as mudanças representa­m uma preocupaçã­o maior “em garantir recursos para a eleição de 2018” do que com alterações mais substancia­is na representa­tividade. “A primeira preocupaçã­o dos legislador­es foi com a sobrevivên­cia do próprio sistema e beneficiar os partidos grandes já estabiliza­dos”, afirmou.

“A população não se sente representa­da por quem elegeu e por quem está no poder. Os números sugerem o aparecimen­to de uma consciênci­a crítica.” José Álvaro Moisés

CIENTISTA POLÍTICO (USP)

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