O Estado de S. Paulo

Juízes entram com ações por candidatur­a avulsa

Entidade de magistrado­s defende ‘pressão’ para permitir chapa de não filiados a partidos; três PECs discutem a proposta e tema já chegou ao STF

- Ricardo Galhardo

A União Nacional dos Juízes Federais (Unajuf) deflagrou uma campanha em defesa de candidatur­as avulsas ou independen­tes. O objetivo é chegar a algumas centenas de processos para pressionar, por meio do Judiciário, a adoção das chapas de não filiados a partidos políticos que queiram disputar cargos eletivos.

Foram ajuizadas cinco ações em diferentes Estados, somente na semana passada, com apoio da Unajuf. Além da campanha da entidade, três propostas de emenda à Constituiç­ão (PECs) sobre o tema tramitam lentamente no Congresso e um recurso pleiteando o direito à candidatur­a avulsa já chegou ao Supremo Tribunal Federal.

“A ideia é criar uma pressão popular”, diz o presidente da Unajuf, Eduardo Cubas. De acordo com ele, a campanha pretende romper o “monopólio” das legendas e criar condições para que cidadãos sem filiação partidária que não se sintam representa­dos por alguma das 35 siglas em atividade no Brasil possam participar dos processos eleitorais.

O advogado Luiz Flavio Gomes, do Movimento Quero um Brasil Ético, lembra que o descontent­amento com agremiaçõe­s políticas tem sido notado explicitam­ente nas manifestaç­ões de rua desde junho de 2013. “Os partidos estão dominados pelos caciques e a estrutura partidária no Brasil é medieval.”

Os defensores da ideia argumentam que 90% das democracia­s mundiais permitem algum tipo de candidatur­a independen­te, seja em caráter individual, seja por meio de listas cívicas. O exemplo mais citado é o do banqueiro Emmanuel Macron, eleito presidente da França pelo movimento Em Marcha!, hoje convertido em partido. Bulgária, Islândia e Croácia também são países governados por candidatos independen­tes.

Direito internacio­nal. As ações propostas com apoio da Unajuf sustentam que já existe legislação no Brasil para que a Justiça libere essas chapas. Alegam ainda que tratados internacio­nais assinados pelo Brasil, como o Pacto de Nova York, de 1990, e o Pacto de São José da Costa Rica, de 1969, teriam força de norma constituci­onal. Ambos defendem o amplo direito à candidatur­a eleitoral sem citar a participaç­ão de partidos.

O que tem prevalecid­o nos tribunais, porém, é o texto do artigo 14 da Constituiç­ão que inclui a filiação partidária entre as exigências para elegibilid­ade.

No início deste ano o tema chegou ao STF. O advogado Rodrigo Mezzomo pleiteou em 2016 o direito de se candidatar à prefeitura do Rio sem estar filiado. Ele perdeu em todas as instâncias e interpôs recurso na Corte. O caso está nas mãos da ministra Cármen Lúcia aguardando a escolha do relator.

Para o constituci­onalista André Ramos Tavares, professor da Faculdade de Direito da Universida­de de São Paulo (USP), além de não ter fundamenta­ção jurídica, a campanha pelas candidatur­as avulsas pode atrapalhar ainda mais o caótico sistema político nacional.

Segundo ele, as candidatur­as independen­tes podem privilegia­r os detentores de dinheiro (caso de Macron, na França) e tornar ainda mais difícil a governabil­idade. “A candidatur­a independen­te leva ao nível mais baixo possível, que é o do individual­ismo. Ela simplesmen­te não cabe no sistema brasileiro”, diz.

Congresso. Em outra frente, existem três propostas em tramitação no Congresso para emendas à Constituiç­ão apresentad­as pelos senadores Paulo Paim (PT-RS) e Regufe (sem partido-DF) e pelo deputado João Derly (Rede-RS). “Os políticos não querem mudar o sistema pelo qual foram eleitos”, diz Regufe. A PEC de Derly prevê também a possibilid­ade de criação de “listas cívicas”, nas quais os candidatos se agrupariam em torno de propostas e não de partidos.

Um dos defensores da proposta é o ex-juiz Márlon Reis, idealizado­r da Lei da Ficha Limpa que, no ano passado, abandonou a magistratu­ra e pretende disputar o governo do Tocantins pela Rede em 2018. “Eu também era contrário à candidatur­a independen­te, mas mudei de ideia. Hoje existem movimentos fora dos partidos que são impedidos de disputar. São novas formas organizaçã­o política que ficam à margem”, diz.

Marina Silva, Fernando Henrique Cardoso e o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa já deram declaraçõe­s simpáticas à ideia. Hoje os movimentos que desejam disputar eleições têm de se abrigar em partidos. O caso mais conhecido é o de Áurea Carolina, vereadora mais votada em 2014 em Belo Horizonte, apoiada pelo movimento Muitas – Pela Cidade que Queremos, mas que precisou se filiar ao PSOL.

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JF DIORIO/ ESTADÃO-17/06/2013 Fora. Em 2013, manifestan­tes protestava­m contra partidos

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