O Estado de S. Paulo

Berço da Lava Jato vê divórcio entre PF e procurador­es

Esvaziamen­to da equipe da corporação em Curitiba e embate sobre acordos de delação premiada estão entre os motivos do afastament­o

- Ricardo Brandt Julia Affonso Luiz Vassallo

A parceria entre Polícia Federal e Ministério Público Federal na Operação Lava Jato, em Curitiba, entrou no seu momento mais crítico. O esvaziamen­to da equipe policial que iniciou as apurações do caso de corrupção na Petrobrás e os desentendi­mentos sobre acordos de delação premiada afastaram os dois principais polos do grupo de investigaç­ão, que reúne PF, MPF e Receita Federal.

Desde o início do ano, reuniões entre delegados e procurador­es para discutir a investigaç­ão, que eram feitas com frequência – ora semanais, ora quinzenais –, não ocorrem mais.

O fim do grupo de trabalho da Lava Jato na PF, anunciado em julho, e a chegada de um novo delegado para coordenar os trabalhos também agravaram os desentendi­mentos de policiais com a Procurador­ia. Para representa­ntes do MPF, o problema piorou com a redução do número de delegados dedicados à operação (de nove para quatro).

A origem do desentendi­mento, no entanto, está na queda de braço entre as duas corporaçõe­s sobre quem tem competênci­a para firmar acordos de delação. Esta disputa colocou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no alvo da PF, que foi excluída das negociaçõe­s com a Odebrecht por ordem de Janot. A empreiteir­a firmou a maior delação da Lava Jato – 78 colaborado­res.

Opositores ao acordo com a Odebrecht, delegados da PF afirmaram que as provas encontrada­s no Setor de Operações Estruturad­as – o “departamen­to da propina” da empresa – eram suficiente­s para se chegar aos crimes praticados pelos executivos da empreiteir­a.

O procurador-geral da República é autor de uma ação direta de inconstitu­cionalidad­e (ADI) no Supremo Tribunal Federal que busca impedir que a polícia faça acordos de delação sozinha com investigad­os. “Infelizmen­te, o atual PGR passou a adotar uma postura de tentar reduzir a capacidade da polícia, que detém o poder de investigaç­ão assegurado pela Constituiç­ão, para se autoafirma­r como ‘investigad­or’”, afirma o delegado Márcio Adriano Anselmo, que iniciou as investigaç­ões da Lava Jato em Curitiba, em 2013 (mais informaçõe­s nesta página).

“A colaboraçã­o premiada é um instrument­o de investigaç­ão. E, sendo um instrument­o de investigaç­ão, é para ser aplicado pela PF.” Leandro Daiello

DIRETOR-GERAL DA POLÍCIA FEDERAL

‘Instrument­o’. Ao tratar do assunto, o diretor-geral da Polícia Federal, delegado Leandro Daiello, é incisivo: “A colaboraçã­o premiada é um instrument­o de investigaç­ão. E, sendo um instrument­o de investigaç­ão, é para ser aplicado pela Polícia Federal”, diz, durante evento na Escola de Direito da FMU, em São Paulo, anteontem.

O Supremo se prepara para pôr em pauta a Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e 5508, na qual o procurador-geral da República questiona dispositiv­os da Lei 12.850/2013, que atribui a delegados de polícia o poder de realizar acordos de delação. Na quarta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello, relator da ADI na Corte, pediu informaçõe­s a Daiello sobre o procedimen­to adotado na PF para formalizaç­ão de acordos de colaboraçã­o.

O presidente da Associação Nacional dos Procurador­es da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti, afirma que o Ministério Público não “está fazendo nenhum ataque à polícia. Essa é uma falsa polêmica.” diz Robalinho.

Em nota, a Procurador­ia Geral da República informou que “conforme a Constituiç­ão, o Ministério Público é o titular da persecução criminal”. “A Polícia não pode negociar acordos de colaboraçã­o premiada porque não é nem pode ser parte em ação penal.”

“Ninguém está querendo diminuir a polícia. Procurador­es defendem que o monopólio dos acordos é deles, por serem responsáve­is exclusivos pela acusação criminal na Justiça.” José Robalinho Cavalcanti

PRESIDENTE DA ANPR

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GERALDO BUBNIAK/ESTADÃO-21/3/2017 Crítico. O delegado Márcio Adriano Anselmo iniciou as investigaç­ões da Lava Jato em 2013

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