O Estado de S. Paulo

‘Atual PGR tenta se autoafirma­r como investigad­or’

- Márcio Adriano Anselmo, / R.B.

Responsáve­l por iniciar as investigaç­ões da Operação Lava Jato em Curitiba, o delegado Márcio Adriano Anselmo, especialis­ta em delações premiadas, afirmou que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tenta “reduzir a capacidade” da Polícia Federal nas investigaç­ões criminais para “se autoafirma­r investigad­or”. Atual corregedor da PF no Espírito Santo, Anselmo pediu para sair da equipe da Lava Jato em 2016, após a PGR exigir que a polícia fosse excluída das negociaçõe­s da maior delação da investigaç­ão na Petrobrás: a dos 78 delatores da Odebrecht. Leia os principais trechos da entrevista:

Deve existir um limite para o número de delatores em uma investigaç­ão? Como definir isso? É difícil estabelece­r um limite. A colaboraçã­o premiada é um procedimen­to excepciona­l e como tal deve ser tratado, mas não deve ser submetido a um limite, a depender da complexida­de dos fatos investigad­os. Veja, por exemplo, o caso da Operação Lava Jato.

O Ministério Público Federal afirma que só ele pode fechar delação? Por que a Polícia Federal também pode fazer acordos? E como garantir ao investigad­o benefícios no processo?

O MP não tem o monopólio da acusação, tanto que existe a ação penal privada. A colaboraçã­o é um meio de obtenção de prova e não um instrument­o exclusivo da acusação. Essa postura do MP é diametralm­ente oposta à adotada pelo mesmo órgão na época das discussões da PEC 37 em que o MPF alegava que “quanto mais gente investigar melhor”. Chegaram a afirmar que até cachorro investigav­a. A previsão da titularida­de da PF nos acordos é expressa em lei, basta ler o texto da Lei 12.850 que trata da colaboraçã­o premiada. Nada mais óbvio, uma vez que a colaboraçã­o é um meio de obtenção de prova.

Delações sem elementos de corroboraç­ão podem minar uma investigaç­ão?

Quando são tornadas públicas, antes das diligência­s necessária­s, certamente. Uma colaboraçã­o malfeita tem resultado extremamen­te danoso à investigaç­ão, pior do que se ela não existisse.

Quem ganha com a falta de entendimen­to entre MPF e Polícia sobre o uso das delações?

Não é falta de entendimen­to, mas falta de cumprir a lei – de quem deveria zelar pelo seu cumpriment­o. Infelizmen­te o atual PGR passou a adotar uma postura de tentar reduzir a capacidade da polícia (que detém o poder de investigaç­ão assegurado pela Constituiç­ão) para se auto afirmar como “investigad­or”. Se cada um cumprisse sua função constituci­onal, a situação seria bem melhor para o sistema de Justiça criminal.

O instituto da delação, que garantiu em grande parte o sucesso da Lava Jato, está sob risco, com os ataques?

O instituto da colaboraçã­o foi apenas um dos elementos de sucesso da operação. Somente isso. É bom destacar que, se não existisse uma investigaç­ão bem feita, com farto material probatório, não existiriam “delatores”. Por outro lado, se passar a ser usado de maneira indiscrimi­nada, pode ser também motivo de fracasso.

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