O Estado de S. Paulo

Quando os pais é que cuidam dos filhos em casa.

Homens cada vez mais dividem as tarefas de criação em casa. E cada vez mais aprovam

- Isabela Palhares Edison Veiga

Quando soube que seria pai pela segunda vez, Karlo Caruso, hoje com 32 anos, decidiu que era a hora de deixar de lado o emprego como ator e investir em um negócio próprio dentro de casa para ter mais tempo com as filhas. A trajetória – comum entre as mulheres, apesar de ainda ser muitas vezes imposta – começa a ser a escolha de alguns homens que interrompe­m ou mudam a carreira para cuidar das crianças.

“Nos primeiros dois anos da minha menina mais velha, eu tinha ensaio de teatro toda noite. Não a coloquei para dormir, não dei banho. Não queria perder tudo isso de novo”, conta. Para muitos amigos, a mudança não parecia natural, mas Caruso diz que fez sentido na rotina da família. “Fui criado apenas pela minha mãe, não queria o mesmo para as minhas filhas.”

Fotógrafo profission­al desde 2005, o publicitár­io Carlos Hinke, de 38 anos, já vinha pensando em dar uma guinada na carreira antes mesmo de a mulher engravidar. “Estava cansado da rotina maluca de ter de trabalhar à noite, aos fins de semana”, conta. Seu plano B foi montar a loja virtual Machine Cult, especializ­ada em presentes e colecionis­mo.

Inaugurado em 2013, o negócio já vinha bem quando Clarice nasceu, no ano passado. “Então me desfiz do estúdio e parei de trabalhar com fotografia”, diz. Hinke passa a maior parte do tempo em casa – vai ao escritório da firma de duas a três vezes por semana – e se reveza com a sogra nos cuidados com a pequena. “Poder ficar com a bebê desde pequeninin­ha foi uma excelente escolha”, afirma.

Despertar. Para o fotógrafo Arthur Calasans, hoje com 42 anos, o início da mudança apareceu depois da consulta de um mês de seu filho com o pediatra. Ele e a mulher desabafara­m com o médico sobre as dificuldad­es com o primeiro filho e saíram do consultóri­o com uma receita que prescrevia à criança banho no chuveiro com o pai e a mãe e tempo no sling (espécie de rede para carregar o bebê junto ao corpo).

“Vivíamos um turbilhão de emoções com o bebê, minha mulher atravessav­a a depressão pós-parto. Foi depois de seguir a recomendaç­ão do médico que a minha paternidad­e nasceu, um mês após o parto”, lembra. Ao fim da licença-maternidad­e da mulher, que é psicanalis­ta, Calasans reduziu os trabalhos para cuidar de Jorge, hoje com 4 anos. “Ela tem um trabalho mais organizado, com horários fixos. Não sentamos e combinamos que eu ficaria em casa, mas aconteceu e funcionou naturalmen­te.”

Todos os dias eles tomam café da manhã em família. A mulher segue para o trabalho, e Calasans e Jorge ficam em casa brincando e fazendo as tarefas domésticas até que o menino segue para a escola no período da tarde. “Ainda vivemos em uma sociedade em que soa anormal o homem ficar em casa. Para nós, a ideia não era inverter os papéis. Só entendemos que é papel dos dois o convívio e as responsabi­lidades”, diz.

“É uma novidade este papel do homem que cuida mais dos filhos? Pois eu prefiro pensar que até pouco tempo atrás a própria sociedade nos privava disso... E é muito prazeroso cuidar dos filhos”, afirma o psicólogo Ailton Amélio da Silva, professor da Universida­de de São Paulo

“Todos estão no mercado e os papéis de homem e mulher mudaram.” Ailton Amélio da Silva

PSICÓLOGO E PROFESSOR DA USP

(USP), com a experiênci­a de quem viveu exatamente essa situação. “Quando minha filha, hoje com 32 anos, nasceu, eu estava prestes a defender meu doutorado e vi a possibilid­ade de adiar por um ano para poder me dedicar a ela”, conta.

“Isto é muito bem-vindo e, certamente, faz bem para as crianças”, completa o psicólogo. Ele comenta que, além da “vantagem” de poderem curtir um pai mais presente, elas ainda crescem mais consciente­s de uma justa divisão de trabalho entre os gêneros.

Nova vida. Na casa do jornalista Fabio Saraiva, de 41 anos, a mudança veio entre o Joaquim, hoje prestes a completar 3 anos, e a Maria Teresa, que nasceu em junho. “Durante dois anos, até o fim de 2016, quase não conhecia meu filho”, diz Saraiva, que trabalhou 16 anos em cinco redações de jornais.

O estalo chegou quase que em forma de resolução de ano-novo: o jornalista decidiu que era hora de se reinventar, para ficar mais perto de Joaquim. Desenhou um plano de negócio, garimpou peças que podiam funcionar como elementos de decoração e colecionis­mo e confeccion­ou ele próprio alguns itens. O estoque já se amontoa em casa – a loja deve ser lançada em breve.

“Claro que a minha vida não é um post de Facebook”, alerta. “Mudamos tudo, apertamos os cintos. Mas tudo compensa quando vejo que sou um pai mais presente.”

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AMANDA PEROBELLI/ESTADAO Sempre presente. ‘Claro que minha vida não é um post de Facebook; mudamos tudo, apertamos os cintos’, diz Saraiva

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