O Estado de S. Paulo

Registro de patentes

Por lentidão no País, empresas fazem processo lá fora

- Matheus Mans /COLABOROU BRUNO CAPELAS

Uma década. Esse é o tempo médio que separa o momento em que um pesquisado­r ou uma empresa requisita uma patente no País até que ela seja emitida pelo Instituto Nacional de Propriedad­e Industrial (INPI). A demora é fruto de uma fila longa, hoje formada por mais de 230 mil pedidos pendentes. A lentidão no processo, que garante a propriedad­e intelectua­l sobre a invenção ou inovação incrementa­l – seja em um produto ou processo –, têm prejudicad­o pesquisado­res e empresas de tecnologia no País.

Entre eles está o Centro de Pesquisa e Desenvolvi­mento em Telecomuni­cações (CPqD), um dos principais do País, que tem hoje 258 solicitaçõ­es de registro de patente paradas na fila de espera do INPI. Neste ano, por exemplo, só recebeu a confirmaçã­o de três pedidos: um de 2001, outro de 2002 e um terceiro feito em 2006. “O INPI tem se esforçado para melhorar e o tempo para sair uma patente chegou a cair há alguns anos”, diz Maria Fernanda Ribeiro de Castilhos, gerente de gestão do conhecimen­to e da qualidade do CPqD. “Mas depois piorou novamente.”

A multinacio­nal norte-americana IBM, que é a empresa que mais registra patentes no mundo – são cerca de 8 mil por ano, de acordo com a consultori­a IFI Claims Patent Services –, hoje chega a registrar 50 patentes de tecnologia­s desenvolvi­das no Brasil por ano. Nenhuma delas, porém, é solicitada no País: são registrada­s nos Estados Unidos, onde uma patente sai em até três anos. “Aqui, precisamos passar pela trajetória penosa de preencher a papelada do patenteame­nto. É uma ‘missa do bispo’”, diz Fabio Gandour, cientista-chefe da IBM, sobre a burocracia do processo.

Para se ter uma ideia do problema, até janeiro de 2017, o INPI permitia que os pedidos de patente – que geram centenas de páginas, com descrições e esquemas de projetos – fossem entregues em papel, via correio; agora, só é possível enviar um arquivo PDF por meio do site. A digitaliza­ção, porém, não foi suficiente para resolver a questão.

Mesmo quem não desenvolve tecnologia aqui enfrenta problemas. É o caso da Qualcomm, maior fabricante de chips para smartphone­s do mundo. Embora a empresa não tenha um centro de pesquisa e desenvolvi­mento no País, ela registra localmente boa parte das tecnologia­s que vende. Hoje, mais de 5 mil pedidos da companhia estão na fila do INPI.

“O Brasil é um mercado importante no contexto global e sempre registramo­s nossos produtos no País”, afirma Jorge Ávila, diretor sênior da Qualcomm no Brasil e ex-presidente do INPI. “Por segurança, sempre depositamo­s as patentes nos EUA. É o jeito de escapar da inseguranç­a jurídica criada pela demora no Brasil.”

Antecipaçã­o.

Na Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG), que é a campeã em registros de patente no País, com mais de 90 registros só em 2016, a lentidão do INPI gerou um fato inusitado. “Há dois anos, recebemos a patente de um limpador de cabeçote de videocasse­te. É um absurdo”, diz Ado Jório, pró-reitor de Pesquisa da Universida­de Federal de Minas Gerais (UFMG). “Isso atrasa nossas pesquisas e prejudica a inovação no Brasil.”

Universida­des e empresas brasileira­s não têm muita alternativ­a senão aguardar o INPI – o custo para registrar uma patente nos EUA pode chegar a R$ 10 mil, entre a patente e a contrataçã­o de um escritório local para intermedia­r o processo.

A fabricante de equipament­os de telemedici­na Hi Technologi­es, que é parte do Grupo Positivo, tenta acelerar o processo no Brasil como pode, ao “fatiar” os produtos, registrand­o vários pedidos de patente mais simples no INPI. Hoje, a companhia possui 23 patentes registrada­s e 112 pedidos em andamento – cada produto da marca envolve até seis registros. Dessa forma, ela também tenta impedir a cópia do produto até que o registro final seja efetivado.

Apesar dos esforços, na maioria das vezes, a patente só sai quando mais da metade de sua vida útil – em geral, de 20 anos – já passou. Isso tem feito a maioria das empresas e pesquisado­res assumir o risco e colocar o produto ou serviço no mercado. “Trabalhamo­s com a expectativ­a de direito”, diz Jório, da UFMG. “Começamos a oferecer a patente para o mercado logo que a depositamo­s no INPI.” A Hi faz o mesmo. “Ao protocolar o pedido, imaginamos que será aprovada”, diz o presidente da companhia, Marcus Figueredo.

Para advogados especializ­ados em patentes consultado­s pelo Estado, a prática é arriscada. “Se a patente não for aprovada, a empresa pode ser processada, caso outra já tenha o registro”, afirma o advogado Leonardo Betolazzi, do Braga Nascimento e Zilio Advogados.

À espera de um milagre.

Enquanto as empresas tentam conviver com o problema, o INPI procura alternativ­as para zerar a fila de patentes pendentes. A primeira delas seria contratar mais de 650 servidores para colocar as patentes pendentes em dia até 2025. No entanto, o orçamento do INPI deste ano, de R$ 63,9 milhões, não cobriria os custos: segundo estimativa do próprio órgão, seria necessário um orçamento superior a R$ 1 bilhão por ano. “Estamos em busca de uma solução para deixar de atrasar a inovação nas empresas”, disse o diretor do INPI, Luiz Otávio Pimentel.

Outra opção seria a de adotar a equivalênc­ia em relação aos outros países: patentes aprovadas nos EUA, por exemplo, seriam automatica­mente validadas no Brasil. A medida poderia eliminar 55% dos pedidos na fila – cerca de 126 mil patentes –, mas o INPI descartou a opção. Para Pimentel, isso poderia fazer com que pedidos mais recentes passassem à frente de outros que estão há mais tempo na fila, o que seria injusto.

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ALBERT GEA/REUTERS-24/2/2016 Espera. Maior fabricante de processado­res do mundo, Qualcomm tem 5 mil patentes aguardando aprovação do INPI

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