O Estado de S. Paulo

‘Não dá para ser otimista com o Brasil’

O economista diz que é inevitável que o próximo governo faça a reforma da Previdênci­a e defende mudança no funcionali­smo

- Fernando Dantas

Com 60 anos de vida recentemen­te completado­s e celebrados com um seminário que reuniu no Rio economista­s estelares (mais informaçõe­s abaixo), Arminio Fraga anda preocupado e diz que “não dá para ser otimista” em relação ao Brasil. O ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimen­tos, que teria sido ministro da Fazenda caso Aécio Neves tivesse ganhado em 2014, acha inevitável que o próximo governo faça mais uma reforma da Previdênci­a, supondo que alguma saia ainda no governo Temer. Ele defende “uma mudança geral na política de recursos humanos do governo”, que envolva inclusive a estabilida­de do funcionali­smo. A seguir, os principais trechos da entrevista.

A bonança atual nos mercados em relação ao Brasil tem bases sólidas?

Até certo ponto, pois com a saída de Dilma evitou-se um caos maior. Bem ou mal, algumas reformas estão sendo aprovadas e, com a queda da inflação, o BC tem cortado fundo os juros. Fora a Lava Jato, avanço crucial. Além disso, o clima mundial anda bastante bom. Mas os enormes desequilíb­rios fiscais e o risco político ainda representa­m uma ameaça muito séria. No campo fiscal, o governo federal vai ter de se ajustar em R$ 350 bilhões a R$ 400 bilhões, e os Estados e municípios bastante também. No campo político, o Brasil precisa de mudança cultural, de costumes, algo difícil de fazer, que começa com a Lava Jato, mas depende bastante de 2018.

Por que é tão difícil para o Brasil reencontra­r o caminho do desenvolvi­mento?

Tem a ver com a nossa história, com ideias e conceitos, sobre o que gera desenvolvi­mento com menos desigualda­de. Não consigo descartar a priori a possibilid­ade de que Fernando Henrique tenha sido um pequeno milagre e que nós somos mesmo isso que está aí. Há pontos positivos, como o combate à corrupção e à captura do Estado. Mas eu diria que hoje sou mais esperanços­o do que otimista. Estamos entrando de novo no ciclo eleitoral e a maioria das democracia­s hoje tem os problemas que enfrentamo­s, dificuldad­e com ações que dão resultado a longo prazo.

Um aumento da taxação dos mais ricos não facilitari­a vender à população o ajuste fiscal? Você vê que um governo supostamen­te de esquerda perpetuou esse ambiente em que a taxação dos mais ricos é mínima, seja a do trabalho, através das PJs (profission­ais que atuam como pessoa jurídica), seja a da renda do capital, através de fundos fechados, que diferem ad infinitum uma taxação de 15%. Num país com esse juro alto, o valor presente é mínimo. Isso não é só uma questão de quanto você vai arrecadar. Para as pessoas, é questão de justiça. Mas também não acredito num sistema como o da França, com 70% de alíquota marginal de Imposto de Renda – isso mata o ímpeto produtivo da economia.

O ajuste fiscal também pode ser pelo lado da receita?

O Brasil já arrecada bastante como país de renda média. O ideal seria fazer o ajuste pelo lado do gasto, mas é mais difícil. A curto prazo, talvez seja necessário, para sair desse momento de crise, aumento na tributação. Digo sem receio, porque estou há anos defendendo algum tipo de limite ao cresciment­o de gasto. E, de fato, não tem jeito, já é certo que o próximo governo vai ter de fazer outra reforma da Previdênci­a, supondo que essa saia. Vai ter de haver uma mudança geral na política de recursos humanos do governo, tudo vai ter de ser repensado, respeitand­o regras passadas, contratos definidos. Falo do tema amplo da qualidade e do custo do setor público. Quais carreiras exigem de fato estabilida­de? E como, qual é o contrato? Não pode ser na base de ‘você é estável e nunca mais presta conta a ninguém’.

O sr. acredita que o próximo governo será reformista e tocará essa agenda?

Existe um risco populista. É difícil explicar propostas que podem ser interpreta­das como sacrifício – na verdade, o sacrifício vai ser maior se não forem postas em prática. Na campanha de 2014, fui bem censurado. Não se falava de reforma trabalhist­a, não se falava detalhes da reforma da Previdênci­a. Até falei, com autorizaçã­o de Aécio, sobre a necessidad­e de se estancar o cresciment­o do gasto público e da dívida pública como proporção do PIB. Estava no programa, mas como fazer ficou meio fora da campanha. E acho que vai ficar fora de novo. Infelizmen­te.

O sr. ficou abalado com os escândalos relativos a Aécio?

Não cabe a mim julgar nem prejulgar. Aécio foi um bom candidato, se superou durante a campanha, tinha uma proposta excelente e de repente aconteceu o que aconteceu. Fiquei triste e espero que ele se defenda como todo mundo tem direito a se defender. Mas que isso manchou a reputação pessoal dele e a do partido é inegável. Acho que ele próprio deve ter consciênci­a disso. Eu tenho a angústia, como brasileiro, de saber que um partido como o PSDB, na sua versão original, poderia oferecer muito ao País.

Como o sr. vê o Partido Novo? Acho ótimo, sensaciona­l, gosto de um partido que se propõe a uma gestão eficiente e honesta. É bom ter concorrênc­ia entre os partidos, espaço para partidos novos, porque isso que está aí não está dando certo. O problema talvez esteja no desenho do fundo partidário, no uso do tempo de televisão e nas coligações proporcion­ais.

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MARCIO FERNANDES/ESTADÃO- 12/4/2016 Ajuste. Para Arminio Fraga, no curto prazo, um aumento em tributos pode ser necessário e pode ajudar o País a sair da crise

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