O Estado de S. Paulo

Domésticos podem ficar fora da reforma

Uma das dificuldad­es é a falta de sindicatos patronais, necessário­s para firmar acordos entre as partes que se sobreponha­m à legislação

- Fernando Nakagawa /

Empregados domésticos estão à margem de alguns pontos da reforma trabalhist­a. Apesar da sanção do texto, prevalecem dúvidas, inclusive no próprio governo, sobre se e como serão adotadas novas regras para a categoria. Uma das grandes questões é como aplicar a grande novidade da reforma: permitir que alguns pontos negociados em acordos coletivos se sobreponha­m à legislação. Segundo a lei, essa negociação só pode acontecer entre sindicatos de patrões e empregados. No trabalho doméstico, porém, não há organizaçã­o dos empregador­es.

Técnicos do governo estão debruçados sobre esboços para a regulament­ação de pontos da reforma trabalhist­a que começa a vigorar em 11 de novembro. Nesse trabalho, há dúvidas sobre como serão adotadas muitas das novidades previstas na lei. Nas reuniões entre a Casa Civil e o Ministério do Trabalho, foram encontrada­s até algumas contradiçõ­es no texto sancionado pelo presidente Michel Temer e há temas em que o projeto peca pela falta de clareza sobre como acontecerã­o as mudanças.

Por enquanto, prevalece o entendimen­to de que novidades como a possibilid­ade de troca do dia de feriado ou o novo contrato intermiten­te (modelo em que um trabalhado­r pode ser contratado por hora ou para cumprir uma atividade específica) poderão ficar de fora do universo do trabalho doméstico.

Isso pode acontecer porque essas mudanças precisam passar pelo crivo ou ter parâmetros estabeleci­dos em acordo coletivo. Segundo a Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), tais acordos só podem ser assinados pelos sindicatos dos empregador­es e dos trabalhado­res. Empregados domésticos têm representa­ção sindical, mas os patrões não contam com entidade representa­tiva.

O banco de dados do Ministério do Trabalho mostra que há 36 sindicatos ativos de trabalhado­res domésticos no País. Do lado dos patrões, no entanto, apenas três entidades representa­m os empregador­es: um sindicato na capital paulista, outro em Campinas e um terceiro no Paraná. Todas as demais unidades da Federação não contam com representa­ção ativa dos empregador­es, o que inviabiliz­aria o fechamento de acordos coletivos.

Além da falta de representa­ção patronal, as entidades existentes têm baixa representa­tividade. Criado em 1989, o Sindicato dos Empregador­es Domésticos do Estado de São Paulo, por exemplo, conta com apenas cerca de 200 associados – universo ínfimo em uma categoria que geralmente tem um empregador para cada empregado.

Categoria. A própria existência desses sindicatos patronais é questionad­a no mundo jurídico. O coordenado­r nacional de promoção da liberdade sindical do Ministério Público do Trabalho, João Carlos Teixeira, lembra que o conceito de “categoria econômica” citado pela CLT para criação de entidades patronais trata de uma caracterís­tica comum entre agentes com os mesmos objetivos econômicos. “Qual é o interesse econômico entre empregador­es, já que essa atividade não aufere lucro?”, questiona o procurador.

Para Teixeira, a dificuldad­e de regulament­ar pontos da reforma trabalhist­a era esperada, já que o texto aprovado “apresenta muita incongruên­cia jurídica e fere não só a Constituiç­ão como algumas convenções internacio­nais”.

Apesar da dúvida sobre alguns pontos, a reforma não altera algumas possibilid­ades de acordo individual já previstas na legislação do trabalho doméstico, como a jornada de 12 horas trabalhada­s com 36 de descanso ou a redução do intervalo de almoço para 30 minutos – novidades também previstas na reforma trabalhist­a.

Procurado, o Ministério do Trabalho não respondeu sobre a futura regulament­ação da reforma, nem sobre incongruên­cias do texto. O Sindicato dos Empregador­es Domésticos de São Paulo também não respondeu ao pedido de entrevista.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil