O Estado de S. Paulo

De bandeja para Maduro

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Tudo aquilo de que Nicolás Maduro mais precisava nesse momento em que se transforma em ditador sem disfarce e sem pudor da Venezuela, com poderes garantidos por uma farsesca Assembleia Constituin­te, acaba de lhe ser oferecido de presente, numa bandeja, por quem ele considera seu pior inimigo – o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, quando este disse não descartar uma ação militar para resolver a profunda crise em que está mergulhado aquele país. É o caso de dizer que, com um inimigo assim, Maduro nem precisa de amigos.

Em mais uma das trapalhada­s, que parecem ser sua forma preferida – e perigosa – de tratar assuntos sérios e delicados, inclusive internacio­nais, Trump, depois de lembrar na sexta-feira passada que “as pessoas estão sofrendo e morrendo” na Venezuela, o que é verdade, afirmou: “Temos muitas opções para a Venezuela, incluindo a militar, se necessário”. Tudo indica que o presidente americano não consultou seus assessores – especialme­nte os militares, aos quais tal questão diz respeito diretament­e – sobre essa hipótese, pois pouco depois de sua afirmação o Departamen­to de Defesa informou não ter recebido da Casa Branca nenhuma orientação daquela natureza sobre a Venezuela.

Mas aí o estrago – para Maduro o benefício – já estava feito. Ele ganhou de graça o inimigo externo de que tanto precisava para tentar unir novamente o povo em torno de seu governo desgastado pela profunda crise econômica e social em que o regime mergulhou o país, pela violenta repressão às manifestaç­ões de protesto da população, o cerceament­o das liberdades e a prisão de oposicioni­stas. Ele pode dizer para seu público, com ares de credibilid­ade, que o “Império” vai atacar. A retórica das principais figuras do regime ficou ainda mais exaltada – com abuso dos adjetivos –, para manter elevado o ânimo dos militantes chavistas. Do ministro da Defesa, general Vladimir Padrino López, à presidente da Assembleia Constituin­te, Delcy Rodríguez.

À oposição só restou tentar limitar o estrago provocado pelo gesto infeliz de Trump, dando ao regime chavista o bode expiatório ideal sobre o qual descarrega­r as frustraçõe­s pelo sofrimento imposto ao país. A Mesa da Unidade Democrátic­a (MUD), coalizão de 30 partidos da oposição, rejeitou ameaças militares de qualquer potência estrangeir­a contra a Venezuela, sem citar Trump. Mas menciona a interferên­cia militar e política de Cuba que afeta “a soberania e a independên­cia do país”. Essa é uma verdade inquestion­ável, mas no clima de histeria nacionalis­ta que o chavismo certamente vai criar, valendo-se da declaração de Trump – não importa se a ameaça não foi referendad­a pelo Departamen­to de Defesa –, seu alcance deve ser limitado.

Reação imediata e semelhante à da oposição tiveram, como era de esperar, os países latino-americanos. A começar pelos do Mercosul, que expressara­m seu “repúdio à violência e a qualquer opção que envolva o uso da força” para a solução da crise da Venezuela. O mesmo fizeram países como Peru, México e Colômbia. Trump teve o dom levar todos os que na América Latina não suportam mais os descaminho­s francament­e ditatoriai­s da Venezuela a se unir contra as suas ameaças militares, que só favorecem Maduro.

O vice-presidente Mike Pence, em viagem à Colômbia, Panamá, Argentina e Chile, tem uma oportunida­de de tentar consertar o estrago feito por Trump. Em sua passagem pela Colômbia, adotou posições mais conciliado­ras, sugerindo que sua intenção é baixar o tom belicoso do presidente. O problema é que a experiênci­a desses primeiros meses de governo de Trump sugere que ele é imprevisív­el e dificilmen­te controláve­l.

Suas bravatas são particular­mente perigosas por ser ele o líder da nação mais poderosa. Basta ver o que acontece, com muito maior gravidade, quando o alvo de sua linguagem desabrida, em vez da Venezuela, é a Coreia do Norte, que hoje dispõe de armas nucleares. Um conflito com esse país envolve riscos incalculáv­eis.

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