O Estado de S. Paulo

Reforma trabalhist­a já muda faculdades de Direito.

Estudantes que ainda nem se formaram têm de se atualizar com as mudanças na CLT

- Luciana Alvarez

Quando Guilherme de Movci, de 22 anos, entrou na faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV) em 2013, a Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT) era uma. Quando se formar, no fim deste ano, o texto em vigor será bem diferente. E ele, ao menos no início da carreira como advogado, terá de conhecer e aplicar as duas versões. Mas De Movci não reclama de estar vivendo as mudanças da lei, que entram em vigor em novembro, durante sua graduação. “Era um setor que estava estagnado. A CLT tem quase 75 anos! Vejo a reforma como uma oportunida­de para que, quem estuda, se destaque”, diz. Ele faz estágio na área e deseja continuar atuando com Direito do Trabalho.

De Movci cursou as disciplina­s obrigatóri­as em Direito do Trabalho no terceiro ano, quando ainda não se desenhava a reforma atual. Mas está a par de todas as alterações porque fez no primeiro semestre deste ano uma matéria eletiva sobre a área. “Estou acompanhan­do de perto a mudança, que foi muito discutida na disciplina eletiva. Em julho ainda participei de um simpósio. Por tudo isso, acredito que tive um bom panorama.” Apesar de representa­r um desafio extra, ele avalia que a mudança é também estimulant­e para quem trabalha na área.

Para as faculdades, o desafio é duplo: além de adaptar os conteúdos das disciplina­s à legislação é necessário promover a atualizaçã­o dos estudantes que já as cursaram, para que não fiquem defasados mesmo antes de se graduar. “Vamos propor neste e no próximo semestre um curso rápido, extracurri­cular, para passar aos alunos somente o que mudou”, afirma Tulio Augusto Tayano, chefe do Núcleo de Direitos Humanos da Universida­de Mackenzie.

Nova lógica. De forma geral, as grades dos cursos de Direito devem ser mantidas, apenas com os conteúdos ligados à área trabalhist­a sofrendo alterações. Ainda assim, serão mudanças profundas. “Na grade do Mackenzie, temos uma disciplina sobre o direito individual, uma sobre o direito coletivo e outra sobre o processo do direito trabalhist­a. A estrutura deve ficar a mesma, mas vejo que o direito coletivo vai ganhar mais importânci­a, por causa do peso dos acordos coletivos”, diz o porta-voz da instituiçã­o.

Professor de Direito Trabalhist­a tanto na FGV quanto na Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo (PUC-SP), Paulo Sérgio João afirma que a reforma exige dos professore­s uma nova visão sobre a área. “Anteriorme­nte, a legislação protegia a parte mais fraca e blindava o trabalhado­r, reconhecen­do que ele tem direitos independen­temente de suas vontades. Agora, passa a ser uma questão

mais contratual. Isso muda o contexto de aplicação da lei.”

João conta que no início de cada curso sempre pergunta para os alunos o que eles sabem sobre a lei. Até o semestre passado, a resposta mais comum, que era correta, dizia que o principal objetivo é proteger o trabalhado­r. “Agora precisamos mudar essa visão, porque se perdeu o viés protecioni­sta.”

Ainda que exija mais estudo, o momento de transição, acredita João, tem sido estimulant­e para os alunos. “As aulas ficaram mais dinâmicas, está mais fácil promover debates. A área,

que era pouco atrativa, passou a ter destaque maior, porque toda a sociedade está comentando”, constata. De acordo com ele, a lei de 1943 precisava mesmo passar por uma reforma porque seu texto não teve condições de prever a mudança na dinâmica trabalhist­a e determinar regras para questões como o home office e o trabalho intermiten­te. “Essas práticas ficavam à deriva. Agora existe um padrão de aplicação.”

Como estudar. Quem já se formou e prefere estudar formalment­e, orientado por um professor,

não vai precisar esperar muito para ter à disposição cursos de atualizaçã­o no tema – eles já estão sendo preparados pelas faculdades. “Se o profission­al não estudar vai ficar defasado, porque é um conjunto grande de alterações na CLT, são muitos detalhes. E como o negociado ganha mais importânci­a frente ao legislado, o advogado tem de prestar maior atenção aos acordos coletivos”, explica Tayano, do Mackenzie.

Aqueles que estão na faculdade e ainda vão estudar o Direito Trabalhist­a tampouco estão livres de conhecer as determinaç­ões da CLT de antes da reforma, explica Marcos Scalercio, juiz do trabalho e professor de Direito e Processo do Trabalho na Damásio Educaciona­l. “O aluno vai ter de aprender a antiga e também a nova (legislação), porque há a possibilid­ade de atuar com a velha e com a nova, dependendo do caso, de quando foi o contrato de trabalho.”

Scalercio alerta que os próximos anos ainda serão de muita inseguranç­a e de adaptação, tanto por parte dos advogados quanto da própria Justiça. “A concepção da lei mudou e, por isso, muitos dizem que é um novo Direito do Trabalho. E ainda vai começar a formar a jurisprudê­ncia”, afirma.

Segundo ele, o fato de o texto não ter sido debatido com o setor aumenta ainda mais as incertezas. Para não se perder no meio da transição, o juiz aconselha a todos acompanhar via redes sociais especialis­tas e professore­s da área. “Tem muita gente analisando uma a uma as atualizaçõ­es, promovendo debates; há palestras de bons professore­s.”

 ??  ??
 ?? AMANDA PEROBELLI/ESTADAO ?? Expectativ­a. ‘Vejo a reforma como oportunida­de para que quem estuda se destaque’, diz Guilherme De Movci
AMANDA PEROBELLI/ESTADAO Expectativ­a. ‘Vejo a reforma como oportunida­de para que quem estuda se destaque’, diz Guilherme De Movci
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil