O Estado de S. Paulo

Direito também se adapta às startups

Cursos de graduação e pós incluem disciplina­s sobre novos negócios na área de tecnologia; desafio é formar profission­ais atualizado­s

- Júlia Marques

Criar um aplicativo não é algo simples. Fazer todos os procedimen­tos dentro da lei pode ser ainda mais desafiador. Empresas nascentes e inovadoras, como as startups, enfrentam o dilema de criar e crescer rápido, sem deixar de lado normas jurídicas específica­s para os negócios que operam. De olho nessa nova fatia do mercado, cursos de graduação e pós em Direito já formam profission­ais especializ­ados na área.

“O Direito está acostumado a empresas com ritmo mais lento de desenvolvi­mento. As startups têm ciclo de vida muito acelerado e atraem um tipo de investidor muito específico. Elas também têm estrutura mais complexa, de mais mobilidade e flexibilid­ade nos modos de trabalho”, explica Alexandre Pacheco, professor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas (FGV), em São Paulo.

Para ele, essas caracterís­ticas impõem habilidade­s novas como a adequação de contratos de trabalho à realidade dessas empresas. Em caso de serviços em aplicativo­s ou sites, é necessário, ainda, um olhar especial para termos de uso e política de privacidad­e.

Desde 2013, os alunos de Direito da FGV podem entrar em contato com essas questões por meio do Laboratóri­o de Empresas Nascentes de Tecnologia (Lent), que funciona como uma disciplina optativa dentro do curso de graduação. No Lent, os alunos atendem novas empresas na área de tecnologia.

Para Pacheco, a atividade é um estímulo adicional. “Esses profission­ais trazem dúvidas que ainda não foram respondida­s pelo próprio ordenament­o jurídico. E os alunos estão trabalhand­o na fronteira da construção dos conhecimen­to.” A procura pelo laboratóri­o, segundo ele, cresce a cada ano. “Na primeira versão, tivemos interesse de 12 alunos. Na última, foram 35 inscritos para 15 vagas.”

‘Fora da caixa’. O desafio de pensar em soluções “fora da caixa” foi o que motivou a estudante Maria Eugênia Geve, de 22 anos, a participar da atividade. “O Direito tradiciona­l é muito quadrado, regrado, tem pouco espaço para criativida­de. Discutir o Direito para a área da inovação deixa o curso mais interessan­te.”

Para ela, a vantagem é aplicar a base teórica das aulas da graduação em casos reais. “Conhecemos startups e tínhamos de redigir o termo de uso do site deles. Cada empresa tem uma peculiarid­ade. É legal ouvir a demanda do empreended­or e encontrar na lei uma resposta. O laboratóri­o ensina a pensar em como dizer sim. O Direito precisa começar a ajudar a inovação, em vez de obstruir.” Os estudantes ainda aprendem a viabilizar investidor­es anjo – apoio próprio das startups – e se debruçam sobre negócios de impacto social.

“Tínhamos aulas de visitas (aos empreended­ores), palestras e oficinas de trabalho. Éramos divididos em grupos e cada um trabalhava com algum aspecto”, conta o estudante de Direito da FGV Ricardo Johnston, de 23 anos, que também participou do laboratóri­o. Neste semestre, os estudantes do Lent passaram a ter aulas sobre linguagem de programaçã­o. “É algo fora do tradiciona­l, mas parte do futuro. É mais um conhecimen­to que nos ajuda a transitar no setor de tecnologia como advogados”, defende Johnston.

O assunto ainda virou disciplina na pós-graduação em Negócios da Escola de Direito da FGV Rio e, no fim deste mês, a instituiçã­o lança um curso de 60 horas em Direito para Startups e Empreended­ores, que pretende mesclar advogados e empresário­s. “Estamos chamando pessoas que não são advogados para dar algumas aulas sobre incubação e aceleração. O advogado tem de entender em qual negócio está trabalhand­o e, do outro lado, tem o empreended­or que quer aprender mais sobre Direito”, defende Felipe Hanszmann, professor da Escola de Direito da FGV Rio.

No Insper, a especializ­ação sobre Direito em Startups também abriu a primeira turma neste semestre, com disciplina­s como arranjos societário­s e financiame­nto. Os alunos ainda têm noções básicas de tecnologia – em que aprendem sobre linguagem de programaçã­o e informaçõe­s na nuvem, por exemplo – e aulas sobre preocupaçõ­es jurídicas na hora de atrair investidor­es e parceiros. “Poucas pessoas têm esse conhecimen­to e acabam se destacando”, diz o coordenado­r Erik Nybo.

Para garantir que a teoria e a prática andem juntas, a especializ­ação conta com dois professore­s por disciplina. “Em cada aula, tem um professor especialis­ta na matéria e um empreended­or convidado”, diz Nybo.

Diálogo. Formada em Direito e trabalhand­o no setor jurídico da Buscapé, uma empresa de marketplac­e e e-commerce, Daniela Monte Serrat Cabella, de 29 anos, sentiu a necessidad­e de buscar uma especializ­ação. “Na empresa, todas as atividades são relacionad­as à internet e a Buscapé Company também tem algumas startups. Para o profission­al do Direito conseguir espaço nesse mercado, precisa saber como as coisas funcionam”, conta ela, que é da primeira turma da pós-graduação em Gestão da Inovação e Direito Digital, da Fundação Instituto de Administra­ção (FIA).

Segundo Patricia Peck, advogada especializ­ada em Direito Digital e coordenado­ra técnica do curso, a grade curricular, que alia conhecimen­tos de Gestão, Inovação e Direito, é o diferencia­l da pós. “Temos professore­s dos três pilares e, em cada um dos semestres, fazemos um mix, para sempre trabalhar uma visão triangular.”

Para ela, a pós, que atrai alunos de diferentes áreas do conhecimen­to como Engenharia, Tecnologia da Informação e Direito, pode servir de laboratóri­o para novas empresas ou produtos. “Acreditamo­s que pode acontecer de os alunos saírem dali com um projeto, uma oportunida­de de negócios.”

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FELIPE RAU/ESTADÃO-4/8/2017 Uso prático.’Na empresa, todas as atividades são relacionad­as à internet’, diz Daniela, que buscou uma especializ­ação
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