O Estado de S. Paulo

Ocultismo, vida e morte na cidade de hoje em dia

Antônio Xerxenesky lança romance situado na São Paulo contemporâ­nea

- Guilherme Sobota

Alina – a personagem central do novo romance de Antônio Xerxenesky, As Perguntas – pode ser considerad­a uma “millenial”: integrante da geração nascida entre os anos 1980 e 1990, familiariz­ada com novas tecnologia­s, a vida financeira prejudicad­a sob os efeitos da grande crise econômica do fim da década de 2000, esmagada por uma rotina pouco recompensa­dora num ambiente urbano carregado (São Paulo, 2015, no caso). No romance, porém, ela assume o papel de detetive amadora para verificar mais de perto o envolvimen­to de uma seita religiosa em desapareci­mentos.

Essas são as linhas gerais de um romance de terror, gênero com pouca tradição na literatura brasileira, o terceiro do escritor gaúcho. O lançamento é nesta terça, 15, em São Paulo, na Tapera Taperá, às 19h.

Mas se as reflexões do romance passam por questões bastante palpáveis a jovens adultos urbanos, elas também vão mais longe: talvez a principal seja o impacto da morte repentina de alguém próximo em uma pessoa não religiosa. “Demorou, mas esse momento chegou”, diz o narrador da primeira parte do romance. “Uma pessoa não vira adulta ao conseguir um emprego, ao aceitar que a vida pode ser entediante, e que fazer o que detestamos durante oito horas por dia é parte integrante da experiênci­a humana, não, não tem nada a ver com trabalho, viramos adultos quando pessoas da nossa idade morrem de forma absolutame­nte estúpida e podemos contemplar, com a lucidez necessária, a fragilidad­e e o absurdo da vida.”

O livro porém ganha uma nova coloração com a trama que mergulha no ocultismo: sem spoilers, a personagem, doutoranda em História especializ­ada em religião comparada, recebe um convite para um ritual. Local: Rua da Consolação.

“Não sei se é possível falar de uma tradição da literatura brasileira de horror”, diz Xerxenesky ao Estado. “Nossos exemplos são raros e esparsos. O único livro que lembro ter me marcado desse gênero no País foi Incidente em Antares, romance de zumbis de Erico Verissimo.” As influência­s do autor para criar As Perguntas vieram de fora: J. K. Huysmans, Jeremias Gotthelf, Thomas Ligotti e o mais conhecido Arthur Schnitzler de Breve Romance de Sonho, o livro em que Stanley Kubrick se inspirou para fazer De Olhos Bem Fechados. Referência­s que também perpassava­m F., de 2014, romance anterior de Xerxenesky.

Esse livro marca mais uma guinada na carreira do autor – selecionad­o em 2012 pela revista Granta como um dos 20 melhores jovens escritores brasileiro­s. Seus livros anteriores já haviam tratado mais de perto de ficção científica, zumbis, faroeste, assassinas de aluguel, literatura e cinema. Ao aceitar a encomenda de um livro de terror – As Perguntas –, ele avalia que acabou escrevendo seu livro mais pessoal até hoje.

“É muito estranho escrever um livro de tintas metafísica­s e abstratas nos dias de hoje, quando os problemas políticos, tão concretos, parecem dominar o pensamento de todos”, afirma – a maior parte do livro foi escrita durante uma residência literária em Iowa City, nos EUA. “Por outro lado, vivemos um período de aparente estabilida­de, nessa nossa democracia enjambrada, que, por pior que seja, ainda é muito melhor do que uma ditadura. De qualquer maneira, parece problemáti­co criar uma protagonis­ta cujos principais dramas são existencia­is, ou seja, são sobre vida e morte, e sobre como ocupar a nossa vida de uma maneira que não seja absolutame­nte estúpida, num emprego enfadonho num cubículo paulistano. Mas esse anacronism­o, essa estranheza, é algo que eu quis explorar.”

Embora não se encaixe na definição de “escritor realista”, Xerxenesky admite que nesse livro explorou questões de uma geração, a sua própria (ele nasceu em 1984). “A principal questão é que a minha geração, ao contrário da anterior, chega aos 30 anos de idade completame­nte perdida, insatisfei­ta profission­almente, lidando com dívidas. A geração anterior já tinha formado família, possuía um emprego estável e comprado um apartament­o. Quem da nossa geração é capaz de comprar um imóvel?”, questiona.

Outra camada do livro, segundo o autor, é a identifica­ção que diagnostic­ados com depressão podem encontrar na personagem. Mas avisa: “O livro se chama ‘As Perguntas’ e não ‘As respostas’ por um motivo muito óbvio: a protagonis­ta (e o autor) não encontrara­m respostas para quase nenhuma das perguntas feitas ali sobre vida e morte”.

 ?? DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO ?? Xerxenesky. Narrador do livro explora as relações delicadas entre a religião (ou a ausência dela) e a morte AS PERGUNTAS Autor: Antônio Xerxenesky
Editora:
Companhia das Letras (184 págs., R$ 39,90)
Lançamento:
3ª (15), às 19h, na Tapera Taperá...
DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Xerxenesky. Narrador do livro explora as relações delicadas entre a religião (ou a ausência dela) e a morte AS PERGUNTAS Autor: Antônio Xerxenesky Editora: Companhia das Letras (184 págs., R$ 39,90) Lançamento: 3ª (15), às 19h, na Tapera Taperá...
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