O Estado de S. Paulo

Dívida pública é o grande risco

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Adívida pública será um pesadelo para o próximo governo se o Congresso travar a reforma da Previdênci­a e falhar em outras medidas para reconstrui­r as contas.

Quem falar em risco de calote será acusado de exagero, e talvez de terrorismo, neste momento, mas a dívida pública será um pesadelo para o próximo governo, se o Congresso travar a reforma da Previdênci­a e falhar em outras medidas para reconstrui­r as contas públicas. A mudança das metas fiscais, com piora dos saldos previstos até 2020, tornará mais demorada a contenção do endividame­nto. A revisão da meta dará espaço ao governo para trabalhar neste ano e no próximo. Também deveria dar alguma folga inicial à nova administra­ção, mas hoje isso é duvidoso. Quando o próximo presidente assumir, em janeiro de 2019, a dívida bruta do governo geral deverá ser bem superior a 80% do Produto Interno Bruto (PIB). Será muito difícil mudar essa tendência, se a economia continuar em ritmo lento, a inflação permanecer em torno de 4% e os gastos previdenci­ários ainda estiverem avançando sem freio.

Conter o endividame­nto foi um dos objetivos centrais da atual equipe econômica, desde o começo da gestão do presidente Michel Temer. O corte dos juros pelo Banco Central (BC), desde outubro do ano passado, poderá ainda limitar o peso dos encargos e a acumulação dos compromiss­os. Mas a maior parte dos outros fatores deverá contribuir para o agravament­o do quadro. A cada dia o avanço na aprovação e na implantaçã­o da reforma da Previdênci­a se torna mais dramaticam­ente importante. Não se trata somente de cuidar da sustentabi­lidade fiscal no longo prazo, mas de impedir uma crise muito séria no começo da próxima administra­ção.

O superávit primário de R$ 10 bilhões previsto para o governo central em 2020 converteu-se num déficit de R$ 65 bilhões nas novas estimativa­s divulgadas pelos ministros da Fazenda, Henrique Meirelles, e Dyogo Oliveira, do Planejamen­to. O resultado primário é a diferença entre receitas e despesas da administra­ção sem contar os encargos financeiro­s. Aquele pequeno superávit previsto anteriorme­nte para 2020 permitiria ao governo, pela primeira vez em vários anos, liquidar pelo menos uma parcela dos juros. Com resultados melhores nos anos seguintes, o Tesouro poderia estabiliza­r e em seguida reduzir a relação entre dívida bruta e PIB.

Com a mudança de cenário, o governo precisará de mais tempo para iniciar essa virada. Mesmo esta hipótese é um tanto otimista. O mercado recebeu com tranquilid­ade aparente, e até com boa vontade, a proposta de revisão das metas. Afinal, seria muito difícil pensar numa alternativ­a. O governo enfrenta obstáculos concretos e indisfarçá­veis. Até um evento muito positivo, o recuo da inflação, atrapalha a obtenção da receita tributária prevista no Orçamento.

Os ministros econômicos mostraram realismo e, além disso, propuseram medidas de longo alcance, como a ampliação das etapas da carreira do servidor. Isso valerá apenas para o pessoal do Executivo, porque esse é o limite da autoridade presidenci­al. Além disso, cumpriram a promessa de buscar soluções sem aumento de impostos (exceto por alguns pequenos ajustes) e reafirmara­m com clareza o compromiss­o de trabalhar pela arrumação das finanças públicas. Mas esse trabalho, como tudo parece indicar, será mais demorado e mais complexo do que se imaginaria até há pouco tempo.

O roteiro será mais confortáve­l se a economia ganhar algum dinamismo e a base da tributação crescer. O próprio governo poderá contribuir para isso, se apressar as concessões e parcerias em programas de investimen­to. Mas nem isso bastará, se a pauta de reformas for prejudicad­a pela resistênci­a política. Parte dos congressis­tas nem sequer reconhece o desajuste da Previdênci­a. Outra parte provavelme­nte reconhece, mas parece ter dificuldad­e para entender a urgência de soluções. Com frequência, os políticos se comportam, em Brasília, como se o mundo parasse e os problemas ficassem suspensos enquanto as decisões ficam travadas.

A boa vontade do mercado sumirá, quase certamente, se remédios forem retardados. Aí, os problemas poderão agravar-se com rapidez, até o desastre. E tudo ficará muito pior se um bando de irresponsá­veis assumir o governo em 2019.

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