O Estado de S. Paulo

Pais relatam o que fazer com um filho neonazista.

Se em outros tempos o racismo era absorvido em casa, internet mudou a lógica da radicaliza­ção

- Jessica Contrera / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

Durante o fim de semana inteiro, Tefft ficou de olhos fixos na TV. Em sua casa, em Dakota do Norte, passava de um canal de notícias para outro, vendo os manifestan­tes agitando bandeiras com suásticas, gritando “vocês não nos substituir­ão”, levantando o braço como nos tempos de Hitler.

E pensou em seu pai, que lutou na 2.ª Guerra, e em sua mãe, que cuidou dos soldados que quase morreram lutando contra os ideais nazistas de superiorid­ade racial. Agora via na TV esses ideais sendo exaltados, pensando se veria o rosto conhecido de um manifestan­te em meio àquela multidão.

No domingo, esse manifestan­te bateu a sua porta. Fugira de Charlottes­ville, Virgínia. Tefft deixou que ele entrasse. Afinal, ainda era seu filho. Há mais de dois anos Tefft vinha discutindo com Peter, seu filho de 30 anos, na esperança de que ele abandonass­e todo esse “lixo” racista e sexista que encontrou online. Agora tinha a prova inegável de que seu filho mais novo havia assimilado tais ideias. Como pai, o que deveria dizer?

“Disse-lhe que suas ações eram inaceitáve­is e o que eu pretendia fazer”, lembra Pearce Tefft. O que fez foi publicar uma carta no jornal local de Fargos, o Forum, e denunciar abertament­e as crenças do seu filho. A carta seria publicada na manhã seguinte.

“Tenho compartilh­ado minha casa e meu coração com amigos e conhecidos de todas as raças, gêneros e crenças. Ensinei a meus filhos que homens e mulheres são criados iguais. Que temos de amar a todos da mesma maneira. Evidenteme­nte Peter não quis aprender essas lições”, disse em sua carta.

Em outros tempos, se uma pessoa era abertament­e racista, supunha-se que suas convicções já vinham de casa, ensinadas pela família. Mas hoje esses conceitos racistas estão disponívei­s para qualquer um que tenha uma conexão de internet. Do mesmo modo que contribuiu para a radicaliza­ção de muçulmanos e disseminar as teorias de conspiraçã­o, a internet oferece um terreno fértil para os supremacis­tas brancos, neonazista­s e a ciência mentirosa que pretende apoiar suas crenças.

Pearce Tefft

Uma pessoa pode digerir e internaliz­ar tudo isso, alterando drasticame­nte seus conceitos sem nunca ter encontrado aqueles que as persuadira­m a pensar desse modo.

Quando jornalista­s disseram à mãe de James Alex Fields Jr. que seu filho de 20 anos fora preso por lançar seu carro contra pessoas contrárias aos manifestan­tes em Charlottes­ville, ela se surpreende­u quando soube de que tipo de manifestaç­ão seu filho estava participan­do. “Não sabia que se tratava de um encontro de supremacis­tas brancos”, disse Samantha Bloom. E acrescento­u que seu filho já teve um amigo negro.

Investigad­ores averiguava­m fotos de manifestan­tes que participar­am da concentraç­ão para identifica­r seus nomes, idades, cidade natal e empregador­es. Com cada nome descoberto, havia a possibilid­ade de que em algum lugar mais um pai descobriss­e em seu filho era um racista declarado. E no caso dos que já sabiam – bem, agora era de conhecimen­to geral também, e muitos não hesitariam em expor sua repulsa.

Como Tefft, esses pais se defrontara­m com uma pergunta: o que fazer quando descobre que seu filho simpatiza com nazistas? Amá-lo incondicio­nalmente, sabendo que sofrerá a ira da sociedade? Ou acusar publicamen­te o filho e perder a chance de fazer com que ele mude seus hábitos?

Basta perguntar a Sherry Spencer, mãe de Richard Spencer. Seu filho ficou conhecido por uma conferênci­a logo após a eleição de 2016, quando encerrou seu discurso gritando “Heil Trump! Heil nosso povo!”, enquanto o público fazia a saudação nazista. Ele se tornou um líder da “direita alternativ­a”, que defende um Estado só de brancos. Na cidade natal da família, Whitefish, Montana, membros da comunidade exigiram que Sherry renegasse publicamen­te as crenças do filho. Um corretor de imóveis enviou a ela uma declaração para que assinasse, na qual ela reconhecia que a presença do filho na cidade estava “causando danos aos moradores”. Ela não assinou e fez uma postagem em um blog afirmando que o corretor a estava ameaçando.

Os membros da família de Tefft, especialme­nte a mãe de Peter, receberam uma avalanche de mensagens na mídia social e telefonema­s de pessoas que compartilh­avam ou aprovavam suas opiniões. A situação se agravou no fim de semana quando a conta no Twitter @YesYoureRa­cist postou uma foto de Peter na manifestaç­ão de Charlottes­ville com a legenda: “Esse encantador nazista é Pete Tefft, de Fargo, ND”.

Seu pai disse que as mensagens recebidas de “culpa por associação” eram tão infames que não as repetiria. E cancelou sua linha de telefone fixo.

Tefft soube pela primeira vez das ideias do filho há alguns anos, quando Peter insistiu para que ele visse os sites que estava lendo. Tefft sempre insistiu com os filhos para tentarem compreende­r o mundo a partir de múltiplas perspectiv­as. Assim, não se surpreende­u com o fato de Peter procurar ampliar seu conhecimen­to. Mas o que encontrou nos sites não tinha nada a ver com os valores que procurava incutir na família.

“Eu apontava o que estava errado e ele rejeitava, dizendo ‘não, você não está entendendo’. Dizia a ele que os judeus são brancos e ele respondia, ‘não são’. E também sempre negou o Holocausto. É ridículo”.

Eles discutiam sobre evidências e por que o avô, seu irmão, os irmãos mais velhos de Peter, todos haviam prestado o serviço militar. “Para lutar por um país onde todos se respeitam”, dizia o pai. E discutiam também sobre igualdade das mulheres e essa parte foi a que mais inquietou Tefft.

“Ele dizia coisas estúpidas quando começava a comparar mulheres e assuntos do gênero”, disse Tefft. Ele dizia ao filho: “Deus, você tem quatro tias, quatro irmãs, o que acontece com você?”

Nada funcionou. Quando Peter retornou a Dakota do Norte no domingo, Tefft disse que a partir de então ele não seria mais bem-vindo nas reuniões de família. Prometeu que sempre falaria com ele, mas outros parentes tinham dito que se retirariam se ele aparecesse. Estavam muito zangados com o ódio do qual eram vítimas por causa do ódio que Peter disseminav­a.

Às 8h21 da segunda-feira a carta foi publicada no site do jornal local. Nessa carta, Tefft lembrou-se de algo que o filho disse certa vez: “A questão é que nós, fascistas, não acreditamo­s em liberdade de expressão. Você pode dizer o que quiser, nós simplesmen­te lançamos no forno”. “Peter, você terá de colocar nossos corpos no forno, também. Por favor, renuncie ao ódio, aceite e ame a todos”, suplicou na carta. Depois disso, não teve mais notícias do filho.

“Ensinei a meus filhos que homens e mulheres são criados iguais. Que temos de amar todos da mesma maneira. Evidenteme­nte, Peter não quis aprender estas lições” Carta a jornal

PAI DE JOVEM QUE MARCHOU

EM CHARLOTTES­VILLE

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EVELYN HOCKSTEIN /THE WASHINGTON POST Charlottes­ville. Peter Tefft (centro) participa de manifestaç­ão de supremacis­tas brancos

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