O Estado de S. Paulo

Jovens com alta instrução lideram supremacis­tas

Líderes de grupos que organizara­m marcha na Virgínia se dizem apoiadores de Trump e exploram a web para espalhar mensagem

- Cláudia Trevisan

Onze dias depois da eleição presidenci­al dos EUA, Richard Spencer usou uma saudação nazista para celebrar a chegada de seu candidato à Casa Branca. “Heil Trump! Heil nosso povo! Heil a vitória!”, declarou diante de mais de 200 supremacis­tas brancos e neonazista­s reunidos em Washington. Alguns dos que estavam na plateia respondera­m levantando seu braço direito, repetindo a saudação dos seguidores de Adolf Hitler.

Formado em Literatura e Música Inglesa, com mestrado em Ciências Humanas e doutorado em História Intelectua­l Europeia Moderna, Spencer representa a nova geração de líderes dos extremista­s de direita americanos. Com 39 anos, ele diz ter sido o criador da expressão “alt-right”, abreviação de “direita alternativ­a”, que tenta dar uma nova roupagem a movimentos racistas e antissemit­as.

No sábado, ele seria um dos principais oradores da marcha “Unir a Direita”, em Charlottes­ville, cancelada pela polícia depois de degenerar em violência. Heather Heyer, de 32 anos, foi morta quando um dos participan­tes do evento avançou com seu carro sobre um grupo de manifestan­tes que se opunha à presença dos extremista­s.

A morte de Heyer foi celebrada pelo Daily Stormer, site que superou o Stormfront neste ano e se tornou o mais popular entre os neonazista­s. “Nosso líder glorioso ascendeu a Deus imperador. Não se equivoque: nós fizemos isso. Se não fosse por nós, isso não teria sido possível”, disse o fundador do site, Andrew Anglin, após a eleição de Trump. No dia em que Heyer foi assassinad­a, ele escreveu um artigo no qual se referia a ela como uma “vagabunda, gorda, sem filhos de 32 anos”.

Em razão da ofensa, o servidor GoDaddy, que abrigava o Daily Stormer, cancelou o registro do site, que acabou se hospedando em um domínio russo após ter tentado migrar para o Google – que negou acesso a sua plataforma.

Na noite de sexta-feira, Anglin estava entre as centenas de homens brancos que gritavam “judeus não vão tomar nosso lugar”, em uma marcha com tochas no câmpus da Universida­de da Virgínia, em Charlottes­ville. No dia seguinte, ele participou da marcha “Unir a Direita”.

Progressis­ta em sua adolescênc­ia, Anglin disse que se tornou um fascista depois de ler o autor Noam Chomsky e “toda aquela coisa judaico-comunista”, estudar religião e conhecer o pensamento de Hitler e Benito Mussolini. Ele afirma ainda ser influencia­do pelo criador de teorias conspirató­rias Alex Jones e pelo terrorista doméstico Ted Kaczynski, o Unabomber, que está na prisão.

Exclusão. A alt-right é um movimento majoritari­amente masculino, o que ficou evidente nas imagens de Charlottes­ville. Anglin é conhecido pelos comentário­s misóginos. “Seus piores inimigos não são judeus, homens brancos, são suas próprias fêmeas”, escreveu em 2015.

Spencer usa termos menos crus, mas defende que as mulheres tenham um papel estritamen­te doméstico e de reprodução. Em documentár­io da revista Atlantic, ele disse que os brancos vivem uma crise de identidade em um mundo multicultu­ral. Em sua opinião, a retórica de Trump contra os imigrantes foi o que garantiu a vitória.

“Nosso sonho é uma nova sociedade, um etno-Estado que seria um ponto de encontro para todos os europeus. Seria uma sociedade com base em ideias diferentes dos da Declaração de Independên­cia”, escreveu Spencer, que propõe uma “limpeza étnica pacífica”, sem explicar o que isso significa.

O sociólogo Peter Simi, que estuda grupos extremista­s na Universida­de Chapman, disse que Spencer, Anglin e outros representa­m uma nova geração. “Eles usam de maneira intensa a internet e redes sociais para propagar mensagens.”

Depois de cair por três anos consecutiv­os, o número de grupos de ódio nos EUA aumentou a partir de 2014 e chegou a um total de 917 no ano passado, de acordo com o Southern Poverty Law Center, que monitora esses movimentos.

Os mais destacados (Ku Klux Klan, neonazista­s, neoconfede­rados, White Power e Skinheads racistas) somam 449 (mais informaçõe­s nesta página). Em estudo divulgado em fevereiro, a entidade disse que a vitória de Trump “eletrizou” a direita radical e deu a ela uma projeção política que não alcançava desde o fim dos anos 60.

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