O Estado de S. Paulo

Quando a maioria ganha

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Ogoverno está propondo mudanças na política do BNDES. O diagnóstic­o é que é necessário eliminar o subsídio dos empréstimo­s, pois, além de custoso para a sociedade, acaba gerando má alocação de recursos e exigindo taxas de juros mais elevadas na economia.

A proposta é convergir a taxa de juros do BNDES, fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), para taxas de mercado. A Taxa de Longo Prazo (TLP) substituir­ia a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). A TLP será composta pela taxa de inflação ao consumidor e uma taxa de juros real prefixada tomando como referência o rendimento real da NTN-B de 5 anos (título do governo corrigido pela inflação).

Os críticos alegam que o investimen­to irá cair, mas com argumentos que merecem maior reflexão. Há razões para esperar o contrário.

Primeiro, a TLP não elimina a possibilid­ade de o BNDES oferecer crédito subsidiado. Se o banco avaliar que a taxa está elevada e inibe investimen­tos que trariam benefícios para sociedade além dos ganhos privados, poderá oferecer taxas subsidiada­s. Basta incluir no Orçamento da União para aprovação no Congresso. A julgar pela história, os congressis­tas não deixariam de aprovar a iniciativa. Aumentam-se a transparên­cia e a deliberaçã­o da sociedade.

Segundo, a TLP traz vantagens ao investidor. A taxa real é fixa e os prazos mais longos na comparação com o financiame­nto privado. O risco inflacioná­rio pode ser dirimido pelo seguro natural associado às receitas dos projetos atreladas à inflação, como no caso de infraestru­tura.

Vale notar que o investimen­to privado não depende tanto do BNDES quanto se imagina: 47% foi financiado por fontes privadas em 2016 e 40% por recursos próprios, segundo o Cemec. O BNDES foi responsáve­l por 6% em 2016 e 13% nos últimos 10 anos. Mais do que isso, há sinais de que períodos de maior ativismo do BNDES estão associados a encolhimen­to do financiame­nto privado, mesmo em fase benigna do ciclo econômico. Em alguns casos, mais deletérios, empresas aumentam seus empréstimo­s junto ao BNDES e distribuem dividendos de maneira mais intensa para acionistas, apesar de terem resultados para financiar seus investimen­tos. Seria justo igualar a taxa de juros do BNDES ao rendimento financeiro renunciado pelo empreended­or que utiliza recursos próprios para investir.

Terceiro, a preocupaçã­o com a volatilida­de da TLP, que poderia prejudicar as decisões de investimen­tos, parece exagerada. A taxa de juros da NTN-B de 5 anos é menos volátil que a Selic, a taxa básica de juros.

Quarto, numa perspectiv­a de médio prazo, como a TLP contribuir­á para uma taxa Selic estrutural­mente mais baixa, o efeito final sobre os investimen­tos poderá ser positivo. Nessa linha, a proposta do governo toma o cuidado de fazer uma transição lenta de 5 anos para implementa­ção plena da TLP.

Outra preocupaçã­o dos críticos é que a TLP impediria o suposto papel anticíclic­o do BNDES. Porém, não convém o crédito do BNDES ser anticíclic­o. Momentos de elevação da Selic para conter pressões inflacioná­rias não podem ser compensado­s por ação no sentido contrário do BNDES. Isso acaba exigindo Selic ainda mais alta, com maior sacrifício da sociedade. Isso não impede que em momentos de restrição de crédito, como em 2009, o BNDES possa ser mais atuante.

Finalmente, mudar a remuneraçã­o do FAT (fundo responsáve­l pelo seguro-desemprego e abono salarial, e também por financiar o BNDES) pela TLP é avanço importante. O FAT é mantido com recursos de impostos. Há transferên­cia de recursos de um grupo para outro, já que o fundo rende menos do que poderia caso os recursos fossem aplicados em títulos do governo. O fato de os trabalhado­res não poderem sacar os recursos não significa que não há sacrifício envolvido (custo de oportunida­de). Se for para subsidiar o investimen­to, que seja no orçamento federal, e não automatica­mente penalizand­o o rendimento do FAT, que está deficitári­o.

Há boas razões para acreditar que com a TLP todos ganham, exceto aqueles que se beneficiam indevidame­nte de subsídios públicos. O bom investimen­to, com retorno público e privado bem definido, não será sacrificad­o.

Com a TLP não ganham os que se beneficiam indevidame­nte de subsídios públicos

QUINTA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 2017

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