O Estado de S. Paulo

Nas asas da memória com Ana Kutner

Filha de Paulo José e Dina Sfat, atriz cria dramaturgi­a sobre afeto

- Leandro Nunes

Não é preciso se deter demais nos olhos de Ana Kutner para perceber a semelhança com sua mãe, Dina Sfat. O câncer de mama que matou a atriz, que foi casada com Paulo José, não calou fundo o futuro da filha nem o de sua irmã Clara. Nesta quinta, 17, Ana estreia na dramaturgi­a com um monólogo dirigido pela irmã. Se Passarinho prefere pairar mais ao longe de retratos tão expressame­nte biográfico­s, a relação de mãe e filha, algo mais universal, e a dor da perda causada pela morte, estão na mira da atriz, e agora dramaturga. “Foi num impulso que reuni cenas e narrativas que também versam sobre a sexualidad­e, o amor e, claro, as memórias familiares.”

Ao mesmo tempo em que assume não criar uma história fictícia, a atriz concebe o que acredita ser uma conversa mais aberta sobre esses temas. “No Rio, realizamos algumas leituras dramáticas para descobrir como a plateia percebia o texto, e o retorno que mais tivemos foi essa dor comum de pessoas que perderam amigos ou parentes.”

Olhar esse material afetivo com um pouco de distanciam­ento demandou trabalho para impedir que a dramaturgi­a caísse num estado emotivo descontrol­ado e sem função, conta a diretora. O trabalho da direção de Clara foi o de alertar para

trechos que pudessem debandar em atalhos de lágrimas fáceis. “Na primeira leitura dramática, eu pensei que nunca conseguiri­a parar de chorar. Lidar com o texto da Ana tem esse desafio. Queremos falar de assuntos mais universais, mesmo que eles tenham surgido por meio de experiênci­as muito particular­es”, explica a diretora.

E nesse palco nu, ao lado de uma cadeira, Ana conta que foi preciso identifica­r e descobrir qual era o lugar determinad­o para tais declaraçõe­s. “Eu não havia definido nada no texto, mas às vezes parecia um quarto, ou uma sala afastada, embora fosse uma geografia delicada para amparar essas palavras”, diz.

Bem calçada no palco com a trilha sonora, cenografia e iluminação, a atriz acrescenta que a plateia ainda poderá participar de uma experiênci­a lúdica em uma determinad­a cena. Ana antecipa que será oferecido, junto com o material da peça, um filtro gelatina, material utilizado em refletores para dar cor ao efeito de luz. “É uma folha violeta”, explica. “A plateia coloca sobre os olhos e vai enxergar a cena de um outro jeito.”

E para quem estiver na estreia, uma outra surpresa. Ana conta, com ansiedade, que o pai estará na plateia. Aos 80 anos, Paulo José convive com a doença de Parkinson desde 1994. “É com a sabedoria dele que nós seguimos. Meu pai é um homem que precisa se reinventar todos os dias e isso faz com que a gente nunca pare. A vida se tornou um ciclo com descoberta­s a todo momento”, acrescenta Ana.

PASSARINHO

Sesc Pinheiros. R. Paes Leme, 195. Tel.: 3095-9400. 5ª, 6ª, sáb., 20h30. R$ 25. Estreia hoje, 17/8. Até 16/9

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FELIPE LIMA Atriz. Olhar material afetivo com distanciam­ento exigiu trabalho para impedir emoções fáceis

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