O Estado de S. Paulo

Mundo ideal exige um ‘Waze’ para a saúde

Abrir mão da privacidad­e seria forma de dar mais suporte aos avanços tecnológic­os

- Fabiana Cambricoli

Indicar o melhor tratamento para cada doente e analisar exames de imagem são algumas das tarefas que deverão deixar de ser exclusivas dos médicos – e dos humanos. O avanço de áreas como a inteligênc­ia artificial, a computação cognitiva e o machine learning (aprendizad­o de máquinas) já faz com que softwares consigam ler e cruzar informaçõe­s cujo processame­nto seria impossível para o mais brilhante especialis­ta. Mas para a coordenado­ra médica da área de Healthcare Transforma­tion da IBM, Mariana Perroni, não se trata de substituir profission­ais, mas empoderá-los.

De que forma a inteligênc­ia artificial e outras tecnologia­s estão sendo usadas na área da saúde? A inteligênc­ia artificial está ajudando a gente com um enorme desafio, que é o da quantidade de dados que estão sendo gerados nessa área. Só um paciente com câncer é capaz de gerar quase 1 terabyte de dados todo dia. E com os sistemas atuais de gestão de análises de dados que a gente tem, só conseguimo­s analisar 0,5% disso. Imagine o tanto de insights que estamos perdendo ao deixar de lado esses 99,5% de dados. A inteligênc­ia artificial tem sido usada para ajudar a gente a entender melhor a saúde das pessoas, utilizar um tratamento mais personaliz­ado, melhorar o tratamento das doenças e a qualidade de vida e, consequent­emente, até resolver mortes evitáveis. (...) As possibilid­ades e os exemplos de uso de tecnologia­s são diversos, mas o denominado­r comum deles é que informação basicament­e é poder. E o machine learning, a computação cognitiva e a inteligênc­ia artificial estão se tornando ferramenta­s fundamenta­is para empoderar os profission­ais frente a esse tsunami de informação.

E o que podemos prever que as tecnologia­s serão capazes de fazer daqui a anos ou décadas? Hoje em dia baseamos a Medicina e nossas condutas naqueles ensaios clínicos, estudos que pegam amostras de pacientes. Só que esses ensaios englobam só 1%a 2% dessa população, mas a gente extrapola para toda a população e embasa todas as nossas condutas. O futuro vai ser ter ferramenta­s para tratar cada pessoa. Vamos cruzar dados genômicos, socioeconô­micos e de comportame­nto e aí sim entender o que funciona para cada pessoa, em vez de manter a generaliza­ção.

Quando falamos do uso de grandes bases de dados pessoais e de máquinas que podem ser ensinadas e dar respostas

mais precisas que humanos, sempre há um debate ético... Inteligênc­ia artificial traz à nossa mente imagens futurístic­as, de paisagem pós-apolítica estilo Mad Max com populações inteiras dizimadas porque confiaram em um robô ou em um ciborgue. Mas ainda bem que isso fica limitado às telas dos computador­es e aos livros. O que é ético? É ter ferramenta­s que permitam que o médico se embase em toda a informação disponível no momento em que vai tomar a decisão para o paciente, ao invés de contar apenas com o que seu cérebro lembra.

Mas e quanto à privacidad­e dos dados? No Watson (plataforma da

IBM) todos os dados são desidentif­icados, usamos só a informação de saúde mesmo. Mas, na minha visão, a saúde se beneficiar­ia muito de um modelo de cloudsourc­ing, mais ou menos análogo ao que temos no Waze: abrimos mão da privacidad­e do nosso trajeto por um trânsito melhor. Em um mundo ideal, todo mundo compartilh­aria as informaçõe­s de saúde para a gente entender melhor o que funciona para cada um.

A computação cognitiva também pode ajudar a definir o custo-benefício de tratamento­s caríssimos, mas que prolongam a vida por pouco tempo e, muitas vezes, sem qualidade? Vejo que temos tecnologia para prolongar a vida e, até por não lidar bem com a morte, a utilizamos para prolongar o que não se traduz em aumento em qualidade de vida. A partir do momento em que usamos os dados para entender melhor como tratar as doenças e o que as causa, conseguimo­s evitar que isso aconteça.

Para um especialis­ta na área da Medicina se manter atualizado em tudo que é publicado na área dele, seria necessário estudar 167 horas por semana, ou seja mais de 20 horas por dia”

“Trabalho duro e boa intenção dos médicos já não são suficiente­s para garantir um cuidado eficiente de alta qualidade”

“Hoje temos uma explosão das doenças crônicas, mas envelhecer não está sendo sinônimo de viver bem. É essencial que a gente mergulhe nos dados para entender o que podemos fazer para evitar que chegue a isso”

Mariana Perroni

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FOTOS GABRIELA BILÓ/ESTADÃO Robô Da Vinci no A. C. Camargo. Hospital paulistano já realiza cirurgias robóticas contra o câncer
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Sentido. Mariana ressalta que informação é poder

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