Mundo ideal exige um ‘Waze’ para a saúde
Abrir mão da privacidade seria forma de dar mais suporte aos avanços tecnológicos
Indicar o melhor tratamento para cada doente e analisar exames de imagem são algumas das tarefas que deverão deixar de ser exclusivas dos médicos – e dos humanos. O avanço de áreas como a inteligência artificial, a computação cognitiva e o machine learning (aprendizado de máquinas) já faz com que softwares consigam ler e cruzar informações cujo processamento seria impossível para o mais brilhante especialista. Mas para a coordenadora médica da área de Healthcare Transformation da IBM, Mariana Perroni, não se trata de substituir profissionais, mas empoderá-los.
De que forma a inteligência artificial e outras tecnologias estão sendo usadas na área da saúde? A inteligência artificial está ajudando a gente com um enorme desafio, que é o da quantidade de dados que estão sendo gerados nessa área. Só um paciente com câncer é capaz de gerar quase 1 terabyte de dados todo dia. E com os sistemas atuais de gestão de análises de dados que a gente tem, só conseguimos analisar 0,5% disso. Imagine o tanto de insights que estamos perdendo ao deixar de lado esses 99,5% de dados. A inteligência artificial tem sido usada para ajudar a gente a entender melhor a saúde das pessoas, utilizar um tratamento mais personalizado, melhorar o tratamento das doenças e a qualidade de vida e, consequentemente, até resolver mortes evitáveis. (...) As possibilidades e os exemplos de uso de tecnologias são diversos, mas o denominador comum deles é que informação basicamente é poder. E o machine learning, a computação cognitiva e a inteligência artificial estão se tornando ferramentas fundamentais para empoderar os profissionais frente a esse tsunami de informação.
E o que podemos prever que as tecnologias serão capazes de fazer daqui a anos ou décadas? Hoje em dia baseamos a Medicina e nossas condutas naqueles ensaios clínicos, estudos que pegam amostras de pacientes. Só que esses ensaios englobam só 1%a 2% dessa população, mas a gente extrapola para toda a população e embasa todas as nossas condutas. O futuro vai ser ter ferramentas para tratar cada pessoa. Vamos cruzar dados genômicos, socioeconômicos e de comportamento e aí sim entender o que funciona para cada pessoa, em vez de manter a generalização.
Quando falamos do uso de grandes bases de dados pessoais e de máquinas que podem ser ensinadas e dar respostas
mais precisas que humanos, sempre há um debate ético... Inteligência artificial traz à nossa mente imagens futurísticas, de paisagem pós-apolítica estilo Mad Max com populações inteiras dizimadas porque confiaram em um robô ou em um ciborgue. Mas ainda bem que isso fica limitado às telas dos computadores e aos livros. O que é ético? É ter ferramentas que permitam que o médico se embase em toda a informação disponível no momento em que vai tomar a decisão para o paciente, ao invés de contar apenas com o que seu cérebro lembra.
Mas e quanto à privacidade dos dados? No Watson (plataforma da
IBM) todos os dados são desidentificados, usamos só a informação de saúde mesmo. Mas, na minha visão, a saúde se beneficiaria muito de um modelo de cloudsourcing, mais ou menos análogo ao que temos no Waze: abrimos mão da privacidade do nosso trajeto por um trânsito melhor. Em um mundo ideal, todo mundo compartilharia as informações de saúde para a gente entender melhor o que funciona para cada um.
A computação cognitiva também pode ajudar a definir o custo-benefício de tratamentos caríssimos, mas que prolongam a vida por pouco tempo e, muitas vezes, sem qualidade? Vejo que temos tecnologia para prolongar a vida e, até por não lidar bem com a morte, a utilizamos para prolongar o que não se traduz em aumento em qualidade de vida. A partir do momento em que usamos os dados para entender melhor como tratar as doenças e o que as causa, conseguimos evitar que isso aconteça.
Para um especialista na área da Medicina se manter atualizado em tudo que é publicado na área dele, seria necessário estudar 167 horas por semana, ou seja mais de 20 horas por dia”
“Trabalho duro e boa intenção dos médicos já não são suficientes para garantir um cuidado eficiente de alta qualidade”
“Hoje temos uma explosão das doenças crônicas, mas envelhecer não está sendo sinônimo de viver bem. É essencial que a gente mergulhe nos dados para entender o que podemos fazer para evitar que chegue a isso”
Mariana Perroni