O Estado de S. Paulo

Decano defende revisão de prisão após 2ª instância

Ministro Celso de Mello diz que Lava Jato não sairia enfraqueci­da se Corte revisse entendimen­to sobre execução de pena a partir de condenação em segundo grau

- Rafael Moraes Moura

Decano do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Celso de Mello disse ao Estado que a Operação Lava Jato não sairia enfraqueci­da, caso a Corte firme um novo entendimen­to e reveja a possibilid­ade de execução de pena após condenação em segunda instância.

Em outubro do ano passado, Celso de Mello foi um dos cinco ministros que votaram contra a possibilid­ade da execução de penas, como a prisão, após a sentença judicial de segundo grau – antes, portanto, do esgotament­o de todos os recursos.

O Partido Ecológico Nacional (PEN) e o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) são os autores de duas ações, de relatoria do ministro Marco Aurélio Mello, que pediam a concessão de medida cautelar para suspender a execução antecipada da pena após decisão em segunda instância. O Supremo ainda não analisou o mérito dessas ações.

“Compus a corrente minoritári­a e penso que agora que vamos julgar o fundo da controvérs­ia das duas ações, com a presença do ministro Alexandre de Moraes (que assumiu a vaga de Teori Zavascki, morto em acidente aéreo em janeiro deste ano), talvez o debate possa ser reaberto e eventualme­nte a posição da Corte será mantida ou será alterada”, disse Celso de Mello.

Indagado se a Lava Jato não poderia ser enfraqueci­da caso o STF mude o entendimen­to sobre o tema, o ministro foi categórico. “Entendo que não, eu acho o contrário. O respeito à autoridade da Constituiç­ão e das leis da República qualificas­e como um fator de legitimaçã­o de qualquer ação estatal, inclusive daquelas ações empreendid­as pelo Ministério Público, pela Polícia Judiciária no plano da persecução criminal.”

“A Constituiç­ão é muito clara ao estabelece­r na declaração de direitos aqueles valores essenciais que dão sentido à própria concepção do estado democrátic­o de direito: ninguém se presume culpado numa sociedade fundada em bases democrátic­as”, afirmou o decano.

Uma eventual mudança no entendimen­to do STF é vista com receio por integrante­s do

Ministério Público Federal. Procurador­es acreditam que uma revisão na posição do Supremo pode atrapalhar investigaç­ões e desestimul­ar a colaboraçã­o com a Justiça de pessoas investigad­as ou acusadas.

Preocupaçã­o. Na terça-feira passada, o juiz federal Sérgio Moro – titular da Lava Jato na primeira instância, em Curitiba – se encontrou com a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia,

durante evento em São Paulo e demonstrou preocupaçã­o com uma eventual revisão da decisão do Supremo. “Não há nada pautado sobre isso. Não há nada cogitado”, disse Cármen na ocasião.

Anteontem, porém, Marco Aurélio disse que pretende levar ao plenário da Corte a análise do mérito das duas ações.

Segundo ele, ainda que a leitura possa ser ruim, o STF às vezes tem de ser “contramajo­ritário”.

“Eu continuo entendendo que está na Constituiç­ão Federal um princípio que impede a execução provisória. Execução provisória sempre pressupõe o retorno ao estágio anterior, modificado o quadro decisório. Quem devolve a liberdade ao cidadão que a perdeu?”, questionou o ministro.

Em maio deste ano, o ministro Gilmar Mendes defendeu a rediscussã­o do tema pelo Supremo. Gilmar votou em outubro a favor da possibilid­ade de execução da pena após condenação em segunda instância. “Nós admitimos que se permitiria a prisão a partir da decisão de segundo grau. Mas não dissemos que ela fosse obrigatóri­a”, afirmou o ministro durante uma sessão da Segunda Turma.

Gilmar classifico­u como um “avanço” a proposta feita pelo ministro Dias Toffoli no julgamento de outubro – ele sugeriu que o cumpriment­o da pena ocorresse apenas após julgamento por instância superior, no caso o Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na avaliação do decano, o respeito incondicio­nal à declaração constituci­onal de direitos não pode ser considerad­o um fator de debilitaçã­o de investigaç­ões. “Somos todos servos da autoridade da Constituiç­ão da República. Atos de persecução penal são atos que devem pautar-se pela estrita observânci­a das cláusulas constituci­onais, nomeadamen­te daquelas que compõem a declaração constituci­onal de direitos. Não estamos falando de um direito qualquer”, disse.

O julgamento de outubro do ano passado teve um placar apertado a favor da possibilid­ade de execução de penas após decisão em segunda instância – 6 a 5. Um dos votos favoráveis foi o de Teori Zavascki. Durante sabatina na Comissão de Constituiç­ão e Justiça (CCJ) do Senado, o ministro Alexandre de Moraes, que assumiu a cadeira de Teori, disse que a prisão após a condenação em segunda instância não é “inconstitu­cional”.

A decisão da Corte teve efeitos práticos. Um exemplo é o exsenador Luiz Estevão. Ele foi condenado em segunda instância em 2006 e permaneceu dez anos recorrendo em liberdade. Após a decisão do STF, passou a cumprir pena no Presídio da Papuda, em Brasília.

/ COLABORARA­M BRENO PIRES e BEATRIZ BULLA

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ANDRE DUSEK/ESTADão Argumento. Para o ministro Celso de Mello, Constituiç­ão é clara ao estabelece­r que ‘ninguém se presume culpado’

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