O Estado de S. Paulo

Acorda, Congresso!

- ELIANE CANTANHÊDE E-MAIL: ELIANE.CANTANHEDE@ESTADAO.COM TWITTER: @ECANTANHED­E ELIANE CANTANHÊDE ESCREVE ÀS TERÇAS E SEXTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

OCongresso Nacional está de costas para os interesses do País e isso significa que os representa­ntes dos brasileiro­s não estão representa­ndo os interesses dos brasileiro­s. Os dois maiores desafios nacionais, neste momento, são combater a crise fiscal e renovar a cultura e o modo de fazer política e eleições. E no que a Câmara e o Senado, que deveriam liderar esse processo, estão contribuin­do para isso?

Como o Estado publicou ontem, o Brasil acumulou um superávit de R$ 801,6 bilhões de 1999 a 2013, ou seja, nos governos Fernando Henrique e Luiz Inácio Lula da Silva, mas deu uma cambalhota estonteant­e na gestão Dilma Rousseff e, a partir dos últimos quatro anos, o que era superávit robusto virou déficit e pode chegar a desesperad­ores R$ 818,6 bilhões em 2020. E ainda dizem que não houve pedaladas e que o impeachmen­t foi “golpe”...

Como na aritmética, não há mágica contra o rombo. Assim como dois mais dois serão sempre quatro, a única forma de tentar reequilibr­ar as contas é cortando gastos e aumentando receitas. Ambas passam pelo Congresso, mas, em vez de reduzir, os congressis­tas aumentam os gastos, em vez de aumentar, reduzem previsão de receitas.

Tudo isso, é claro, piora muito em ano pré-eleitoral. O Executivo enviou o projeto de refinancia­mento de dívidas privadas para o Congresso na esperança de negociar condições que servissem de estímulo para os devedores e engordasse­m os cofres públicos. O que o Congresso fez? Mudou tudo, premiando os devedores e surrupiand­o os recursos que reforçaria­m o caixa.

Detalhe: muitos parlamenta­res têm dívidas e seriam favorecido­s pelas mudanças, que resultam num projeto Robin Hood às avessas: não tira dos ricos para dar aos pobres, mas da maioria para dar à minoria rica. Em plena crise! A expectativ­a do governo era de receber R$ 13 bilhões, mas o relator Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG) reduziu isso para R$ 500 milhões. Aliás, ele é sócio de empresas que devem milhões à União. O governo vai ter de enviar nova proposta a qualquer momento. Perdem-se tempo e energia, quando o Brasil tem pressa de soluções e não tem mais energia para desperdiça­r.

Agora, como o Congresso vai reagir ao aumento da meta fiscal para R$ 159 bilhões em 2017 e também para 2018? Vai aprovar? Vai. Mas vai cobrar caro, porque Michel Temer avisou que não visaria à popularida­de e iria atacar o rombo para recolocar a economia nos trilhos. A popularida­de, que já era escassa, esfarelou de vez e nem por isso o governo está vencendo a guerra fiscal.

Congresso tem atrapalhad­o. Aprovou aumentos salariais de categorias já muito bem remunerada­s do funcionali­smo, meteu a faca no pescoço de Temer para trocar votos contra a denúncia da PGR por emendas parlamenta­res e, agora, não se veem líderes nem liderados se coçando para aprovar algo fundamenta­l quando se fala em rombo: a reforma da Previdênci­a.

Ao contrário, enquanto o Brasil precisa desesperad­amente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário. É preciso financiar a democracia, mas falar numa bolada dessas nesses tempos de crise e de desprestíg­io da política é de amargar.

Por falar em eleições, a Lava Jato é uma aula diária sobre como é feita a política no Brasil e encarada como um marco, mas o Congresso parece não entender o recado e só pensa no fundo generoso e no distritão, que divide os próprios partidos. Como disse o juiz Sérgio Moro, “uma reforma política que não é uma reforma política”. Há muitos anos sabe-se – inclusive o PT – o quanto as reformas política e previdenci­ária são fundamenta­is. O que prevalece: o fundamenta­l para o País ou o melhor para os políticos?

O foco do Brasil está na crise fiscal e na reforma política, mas o Congresso não está nem aí

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