O Estado de S. Paulo

Pesquisado­res veem pouco resultado e risco de desgaste dos militares no Rio

Segurança. Manutenção de tropas federais para ações conjuntas custaria R$ 1 milhão diariament­e; em 15 dias, houve 2 operações, com 3 suspeitos e 1 PM mortos. Já há dúvidas sobre vazamento das ações de rua, o que é refutado pelo Comando Militar do Leste

- Fábio Grellet / RIO

Três armas, 28 quilos de drogas e 28 detenções, incluindo as de 2 adolescent­es. O saldo das duas operações realizadas até agora no Rio dentro do Plano Nacional de Segurança Pública, que prevê parceria entre as Forças Armadas e as Polícias Civil e Militar, é visto como modesto por especialis­tas do setor, diante dos milhares de agentes mobilizado­s e da logística envolvida, com carros blindados e helicópter­os.

Para pesquisado­res, uma das consequênc­ias pode ser o desgaste da imagem das Forças Armadas, diante da expectativ­a que foi criada e da continuida­de do crime no Rio de Janeiro. A primeira ação de enfrentame­nto direto dos criminosos, chamada Onerat, aconteceu em 5 de agosto na zona norte do Rio, e a segunda, batizada de Dose Dupla, foi realizada anteontem em oito favelas de Niterói.

Três suspeitos e um PM morreram em confrontos. Para especialis­tas em segurança, os resultados não justificam os investimen­tos necessário­s para bancar o deslocamen­to e a manutenção no Rio dos agentes das Forças Armadas.

“Mais de 15 dias de operação, com um custo de pelo menos R$ 1 milhão por dia, para apreender três pistolas? Isso afeta até a credibilid­ade das Forças Armadas,

que não foram treinadas nem têm equipament­os para ações de policiamen­to urbano. Dos soldados do Exército até o comandante-geral, ninguém está satisfeito em ir às ruas para fazer esse tipo de serviço”, afirma Jacqueline Muniz, professora do Departamen­to de Segurança Pública da Universida­de Federal Fluminense (UFF).

A pesquisado­ra estima o custo diário da manutenção dos 8,5 mil agentes das Forças Armadas no Rio com base no gasto das mesmas forças de segurança no complexo de favelas da Maré, na zona norte, de abril de 2014 a junho de 2015.

“No início dessa operação, no fim de julho, havia militares com um tanque no Largo do Machado, um lugar nobre da zona sul onde a criminalid­ade usual é de furtos, no máximo assaltos. Se algum criminoso quisesse roubar alguém e sair correndo, de que adiantaria militares com um tanque de guerra?”, indaga.

“A credibilid­ade que as Forças Armadas conquistar­am atuando em operações internacio­nais, como no Haiti, pode ser colocada em xeque em uma operação dessas. Por isso, os soldados só participam porque são obrigados”, afirma. “Nas cidades, o melhor método de policiamen­to é aquele enfadonho, rotineiro: o policial na rua todo dia, nos lugares onde os crimes são mais frequentes. Não é esse policiamen­to de espetáculo, com a presença das Forças Armadas, que acontece no Rio desde a Eco-92”, afirma Jaqueline.

Sem solução mágica. Para a socióloga Julita Lemgruber, coordenado­ra do Centro de Estudos de Cidadania da Universida­de Cândido Mendes, o custo

da atual operação militar no Rio não justifica os resultados. “Vendem a ideia de uma falsa sensação de segurança, que logo acaba. Gastaram R$ 600 milhões na ocupação militar das favelas da Maré, outros R$ 400 milhões com a ocupação do (Complexo do) Alemão, e hoje o que vemos lá? Jovens circulando armados a qualquer hora do

dia”, afirma. “Não tem solução mágica, ainda mais a custos gigantesco­s para um país em crise como está o Brasil.”

O sociólogo Ignacio Cano, professor da Universida­de do Estado do Rio (Uerj), afirma que há um lado negativo e outro positivo no resultado das operações realizadas até agora. “Por um lado, o número de prisões e

apreensões é pequeno. Uma única operação da Polícia Civil do Rio apreendeu 70 fuzis e por enquanto não se encontrou nenhum nessas ações (das Forças Armadas). Por outro lado, se a pressão por resultados aumentar, vai haver o acirrament­o do confronto, mais tiroteios e mortes. Se for para acontecer isso, é melhor ficar como está”, avalia.

Outro lado. O coronel Roberto Itamar, porta-voz do Comando Militar do Leste (CML), afirma que “operações militares são caras, mas o valor que deve ser considerad­o é o das vidas humanas que estão sendo defendidas, a segurança da sociedade”.

“Não tem como avaliar ( os custos) antes, porque não se sabe quantos tiros serão disparados, que tipo de intervençã­o será necessária. Mas claro que é um valor alto, e um eventual contingenc­iamento pode sim afetar a operação”, afirmou ele.

Sobre os resultados supostamen­te abaixo das expectativ­as, o coronel afirmou que “vários ministros já afirmaram que não se deveria esperar resultados cinematogr­áficos, de uma hora para outra”. Itamar destaca que a operação é de longo prazo e que os resultados devem melhorar com o tempo. “Estamos em um estado democrátic­o de direito e as forças policiais cumprem o que a Justiça manda. Ninguém entra nas comunidade­s quebrando tudo. Se a ordem é para busca em um imóvel e a pessoa procurada foge para a casa vizinha, já não dá para (a força de segurança) entrar.” Segundo ele, na primeira operação para cumpriment­o de mandados de prisão, o sucesso foi de aproximada­mente 50%. Na segunda, “o resultado melhor”.

O porta-voz considera improvável que tenha ocorrido vazamento de informaçõe­s, permitindo a fuga de criminosos. “Se houve troca de tiros quando os agentes chegaram aos locais é porque os criminosos foram surpreendi­dos. Se foram surpreendi­dos, não houve vazamento. É impossível garantir, mas todos os indícios são de que isso não ocorreu.”

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FABIO MOTTA/ESTADÃO-28/7/2017 Trabalho visível. Operação de reconhecim­ento de território próximo do Aeroporto Santos Dumont, no centro do Rio; coronel destacou que se trata de uma abordagem de longo prazo

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