O Estado de S. Paulo

Um pouco menos frio

- FERNANDO DANTAS E-MAIL: FERNANDO.DANTAS@ESTADAO.COM FERNANDO DANTAS ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Passados três meses desde o torpedo que atingiu o governo de Michel Temer em 17 de maio, quando foi revelada a existência da gravação da conversa entre o presidente e Joesley Batista, pode-se dizer que há uma boa e uma má notícia em relação à economia brasileira.

A boa notícia é que o choque político não provocou, como alguns analistas temiam, um novo mergulho na recessão. E a má notícia é que a retomada continua lenta, o que é particular­mente sofrido consideran­do que, desde meados de 2014, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou cerca de 7%e a taxa de desemprego saiu de 6,8% para 13%, chegando a um pico de 13,7% em março de 2017.

Uma batelada de dados e indicadore­s recentes – mercado de trabalho, crédito, índices que buscam antecipar o PIB, serviços e comércio – indica que a economia brasileira efetivamen­te está saindo da maior recessão em mais de um século.

Hoje, as projeções de cresciment­o do PIB no segundo trimestre giram em torno de zero, com algumas instituiçõ­es apostando num número ligeiramen­te positivo. Para o ano fechado de 2017, o resultado tampouco deve ser muito diferente de zero. Já em 2018, a previsão é de cresciment­o, numa faixa que vai de aproximada­mente 1,0% a 2,5%.

Os indicadore­s positivos recentes levaram a pequenos ajustes para cima na projeção de 2018 de alguns departamen­tos de análise econômica.

Jankiel Santos, economista-chefe do banco Haitong no Brasil, diz que um cresciment­o em torno de zero este ano pode não traduzir muito bem a “sensação térmica” da economia no fim de 2017.

Santos explica com um exemplo hipotético (mas que pode não ser muito diferente do que vai ocorrer no Brasil em 2016 e 2017) no qual uma economia cai num ano e cresce no outro de forma perfeitame­nte simétrica, o que graficamen­te pode ser ilustrado com a letra “V”.

A medição do PIB anual é, na verdade, uma comparação entre a média de cresciment­o de um ano com a do ano anterior. No exemplo dos dois anos em “V”, a média em ambos os casos será o ponto médio de cada perna do “V” – em outras palavras, o cresciment­o do segundo ano é dado pela comparação entre dois números idênticos, e, portanto, é igual a zero. No entanto, ao fim do segundo ano, a economia estará na ponta de cima da segunda perna do V, e em trajetória de alta. A “sensação térmica” certamente não será a de estagnação, como o cresciment­o zero faria supor.

Mas o economista faz imediatame­nte a ressalva de que em 2018, provavelme­nte, não haverá sensação mais forte de aqueciment­o. Na verdade, a transição deste ano para o próximo está mais para a mudança de um ambiente gelado para outro um pouco mais suportável.

Com as informaçõe­s e o que se pode prever hoje, observa Santos, não parece que qualquer componente do PIB pelo lado da demanda terá desempenho excepciona­l em 2018.

O consumo das famílias ainda será freado pela lenta recuperaçã­o do mercado de trabalho. O consumo do governo será restringid­o pelo ajuste fiscal. As exportaçõe­s (líquidas de importaçõe­s) estão indo bem, mas essa performanc­e deriva mais dos preços do que das quantidade­s, e são estas últimas que importam para o PIB. O investimen­to, finalmente, que já despencou cerca de 30%, ainda estará contido pelas grandes incertezas fiscais e políticas rondando a economia brasileira.

O governo, entretanto, tem em mãos alguns instrument­os para tentar animar um pouquinho mais a economia no ano eleitoral. Qualquer surpresa positiva em termos do trâmite no Congresso Nacional das medidas de ajuste fiscal, da pauta econômica em geral e da reforma da Previdênci­a pode reduzir incertezas e fazer com que o atual ciclo de corte de juros – o principal motor da retomada – vá um pouco mais longe.

E há ainda toda a agenda de privatizaç­ões e concessões de petróleo, aeroportos, ferrovias e rodovias, que pode dar um gás extra no investimen­to e desobstrui­r gargalos pelo lado da oferta.

Boa notícia é que o choque político de maio não provocou recaída na recessão

COLUNISTA DO BROADCAST E CONSULTOR DO IBRE/FGV

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