O Estado de S. Paulo

O Vale se mostra político

- E-MAIL:COLUNA@PEDRODORIA.COM.BR TWITTER: @PEDRODORIA PEDRO DORIA ESCREVE ÀS SEXTAS-FEIRAS

Não é à toa que a Costa Oeste americana tem, por vezes, o apelido ‘the left coast’. A costa à esquerda. Califórnia, Oregon e Washington, os três estados banhados pelo Pacífico, são todos solidament­e democratas e mesmo os republican­os por lá são favoráveis ao casamento gay, flexíveis com legislação sobre drogas e investem em fontes alternativ­as de energia. E nenhuma grande cidade americana está à esquerda de San Francisco.

Poucas misturam com tanta fluidez sotaques, tons de pele e tipos religiosos, do Zen beatnik ao Islã, passando por muitos tons de cristianis­mo e ateísmo. O Vale do Silício, grudado em San Francisco, é uma amalgama entre esta esquerda e o liberalism­o, que termina num resultado muito atípico nos EUA. Por isso mesmo, não costuma se meter em política. Faz mal para os negócios.

Mas, esta semana, mudou. Primeiro, ainda no sábado, foi o Airbnb, que começou a identifica­r os ativistas da ultradirei­ta racista que usaram o serviço para se hospedar em Charlottes­ville, Virgínia. E começou a cancelar suas contas. Na sequência, o serviço de domínios – os endereços da internet – GoDaddy informou que não ia mais gerenciar a localizaçã­o de alguns sites dos supremacis­tas brancos. O Google, que também presta esse tipo de serviço, imediatame­nte informou que tomara a mesma decisão. O PayPal, com os quais muitos dos ativistas contam para facilitar doações para sua causa, também tirou o corpo fora. Traçou uma linha clara: com este tipo de política não lhe interessa fazer negócios.

Não ficou só aí. O complexo de blogs WordPress cancelou um site de notícias. O Twitter fechou algumas contas. E, sem ter muito o que fazer, o Uber aproveitou que uma motorista expulsou um grupo de racistas de seu carro e a congratulo­u publicamen­te. A Apple cortou acesso ao sistema de pagamentos ApplePay de sites que vendem parafernál­ia neonazista. O serviço de financiame­nto coletivo GoFundMe cancelou campanhas enquanto o Kickstarte­r anunciou que estarão proibidas se aparecerem por lá.

O Vale – uma empresa após a outra, grandes e pequenas – se uniu. Mesmo o Facebook, que foi mais tímido em seus esforços, impediu que alguns links racistas com notícias falsas se espalhasse­m.

É justo dizer que os CEOs de inúmeros negócios americanos se moveram esta semana. Da farmacêuti­ca Merck à companhia de moda esportiva UnderArmor, passando pela PepsiCo. Os executivos deixaram os conselhos consultivo­s formados pelo presidente Donald Trump em protesto por seus acenos aos extremista­s. Mas as ações das empresas do Vale foram além de gestos simbólicos — por importante­s que sejam tais gestos.

Do ponto de vista político, as ações são coerentes. O neonazismo é diametralm­ente oposto tanto ao liberalism­o quanto à esquerda, pela compreensã­o fundamenta­l por ambas as correntes de que todos os homens são iguais. Mas não só isso moveu o Vale do Silício.

As empresas foram muito criticadas por não interferir no espalhamen­to de notícias falsas durante o Brexit britânico e as eleições americanas. É difícil dizer o quanto este livre fluxo de informação mentirosa interferiu no voto. Não falta, porém, quem construa este argumento.

Em tempos de polarizaçã­o, a neutralida­de é uma tomada de posição. Desta vez, o Vale achou por bem deixar claro onde fica. É um gesto, também, de propaganda. Quer mostrar-se bom cidadão de democracia­s. Pois, na Europa, está para vir muito questionam­ento sobre a formação de trustes. O Vale entrou em franca campanha para mudar sua imagem.

O Vale do Silício – uma empresa após a outra, grandes e pequenas – se uniu

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