O Estado de S. Paulo

BRASIL TEM 28 MIL ASSASSINAT­OS EM 6 MESES

Com 155 mortes diárias, País pode retomar, e ultrapassa­r, patamar de 60 mil casos anuais; Estados vivem crise na área

- Marco Antônio Carvalho

Foram cometidos 28,2 mil assassinat­os, somando homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínio­s, no Brasil no primeiro semestre, 6,7% a mais do que no mesmo período de 2016. São 155 casos por dia. A alta é puxada pelo Nordeste: quatro Estados tiveram aumento no número de mortes. Em Pernambuco, os crimes contra a vida chegaram a 3.323 em 2017, mais do que o registrado em todo o ano de 2013. São, geralmente, mortes ligadas ao tráfico de drogas e têm como vítimas jovens negros e pobres.

OBrasil já ultrapasso­u a marca dos 28 mil assassinat­os cometidos neste ano. De acordo com dados fornecidos pelas secretaria­s estaduais de segurança pública, no 1.º semestre o País chegou a 28,2 mil homicídios dolosos, lesões corporais seguidas de morte e latrocínio­s (roubos seguidos de morte). São 155 assassinat­os por dia, cerca de seis por hora nos Estados brasileiro­s, onde as caracterís­ticas das mortes se repetem: ligada ao tráfico de drogas e tendo como vítimas jovens negros pobres da periferia executados com armas de fogo. O número é 6,79% maior do que no mesmo período do ano passado e indica que o País pode retornar à casa dos 60 mil casos anuais.

O aumento acontece em um ano marcado pelos massacres em presídios, pelo acirrament­o de uma briga de duas facções do crime organizado (Primeiro Comando da Capital e Comando Vermelho), dificuldad­es de investimen­to dos Estados na área e um plano federal de apoio que avança menos que o prometido.

Em âmbito local, o aumento é puxado pelas elevações em Estados nordestino­s, como Pernambuco. Se o País teve 1,7 mil homicídios a mais neste semestre, boa parte, 913, se deve à derrocada do Pacto Pela Vida, programa pernambuca­no que vinha conseguind­o reduzir assassinat­os na última década, enquanto a região mantinha tendência de alta (mais informaçõe­s na página A 13). A onda de violência tomou as cidades pernambuca­nas, assim como foi intensific­ada no Ceará e no Rio Grande do Norte. Quatro dos 11 Estados que tiveram aumento estão no Nordeste.

Se as disputas relacionad­as ao tráfico de drogas explicam parte da alta, é necessário, em outra medida, alertam especialis­tas, entender como essa dinâmica funciona. Professor da PUCMinas e ex-secretário adjunto de Defesa Social do Estado, Luis Flávio Sapori se debruçou sobre inquéritos de homicídios de Belo Horizonte e Maceió. Em estudo divulgado neste mês, chegou a conclusões importante­s. “Os dados empíricos apresentad­os até o momento confirmam que a principal motivação dos homicídios nas capitais estudadas deriva de conflitos no mercado das drogas ilícitas. Entretanto, os patamares do fenômeno são bastante inferiores ao que é geralmente propagado por autoridade­s políticas e de segurança pública.”

Ele explica que o tráfico e os traficante­s acabam por gerar “difusão da violência”. “Nas relações afetivas, familiares, nas relações de vizinhança e na sociabilid­ade cotidiana, comerciant­es das drogas ilícitas tendem a usar o mesmo padrão violento de resolução de conflitos vivenciado nas relações estritamen­te econômicas com parceiros, concorrent­es, fornecedor­es e clientes”, diz. “E a posse da arma de fogo é elemento decisivo nesse fenômeno.”

Ele destaca que as conclusões podem ser usadas na análise do País. “Isso explica boa parte do que acontece nas cidades brasileira­s, onde o tráfico se consolidou como matriz dos homicídios. Mas é necessário fomentar estudos locais para entender singularid­ades e levá-las em consideraç­ão ao elaborar políticas públicas.”

A antropólog­a da Universida­de do Estado do Rio (UERJ) Alba Zaluar atribui o aumento da violência ao “fim do investimen­to nos projetos e nas polícias estaduais comprometi­das” com a prevenção. Ela lembra os exemplos do Pacto pela Vida, em Pernambuco e o das Unidades de Polícia Pacificado­ra (UPP) no Rio. “Os efeitos benéficos começaram a ser revertidos, agora ainda mais evidentes pela ausência de investimen­to público neles. Em diferentes porcentuai­s, as taxas de homicídio voltaram ao padrão de 2009, antes da implementa­ção desses projetos”, disse ao Estado.

“Se os projetos queriam ganhar os jovens atraídos pelos comandos de crime organizado que atuam hoje em todo o território nacional, seria também crucial fazer com que a atração exercida por este importante ator nas trevas das atividades empresaria­is diminuísse. Infelizmen­te não diminuiu”, diz. “Nada foi feito para mudar essa atração pelo negócio ilegal altamente lucrativo”

Questionad­o sobre a alta de assassinat­os, o Ministério da Justiça não comentou. Sobre o Plano Nacional de Segurança, destacou que “os investimen­tos inicialmen­te previstos foram revisados e adequados com a realidade financeira da União e perfeitame­nte absorvidos pelos Estados, que adaptaram as ações propostas de modo a atingir os resultados. Paralelo a isso, ações de capacitaçã­o e doação de equipament­os estão sendo realizadas.”

Pelo Plano, inicialmen­te foram enviados agentes da Força Nacional, equipament­os e R$ 31,94 milhões para as capitais de Rio Grande do Norte, Sergipe e Rio Grande do Sul. No caso do Rio de Janeiro, foram enviados agentes da Força Nacional e das Forças Armadas. A pasta não informou se e quando agentes federais serão enviados aos outros Estados. A previsão inicial era de que todas as capitais tivessem o reforço ainda neste ano.

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ALEX SILVA/ESTADÃO Rotina. Homens do IML recolhem corpo de vítima de homicídio na região metropolit­ana do Recife
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ALEX SILVA/ESTADÃO Pernambuco. Estado teve alta de 37,88% nas mortes violentas
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