O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

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Ataque ao gasto com servidores depende do Congresso. Perigo à vista.

Mal saiu do forno o pacote fiscal de Temer, com foco em novas regras para o funcionali­smo público, e já surgiu um personagem exemplar para comprovar os desmandos na área: o juiz de Mato Grosso que recebeu R$ 500 mil em apenas um mês, entre salários e pendurical­hos, e reagiu à disparada de críticas com um diretíssim­o “Não estou nem aí”.

Apesar da anestesia da sociedade, a repercussã­o foi tanta, que a presidente do STF, Cármen Lúcia, deu prazo de dez dias para que os Tribunais de Justiça dos Estados revelem os salários pagos de fato aos magistrado­s – escancaran­do a falta de transparên­cia justamente entre os que deveriam zelar por ela.

Por aí, fica claro que alguma coisa está fora do eixo na administra­ção pública. E, portanto, o pacote do governo federal de ataque a privilégio­s entre os servidores teria vindo em boa hora – melhor dizendo, teria até passado da hora. A questão, porém, é mais ampla, pois envolve não só alcance das medidas, como também as condições para sua aplicação.

Já de saída, tanto o congelamen­to dos reajustes salariais quanto a redução de benefícios, a implantaçã­o efetiva do teto de R$ 33,7 mil e a reestrutur­ação de carreiras recaem apenas sobre os servidores do Executivo. São pouco mais de 2 milhões, metade de aposentado­s e pensionist­as, frente a 35,5 mil do Legislativ­o e 141 mil do Judiciário.

Por razões de competênci­a, Legislativ­o e Judiciário, onde volta e meia ganham projeção casos como o do “juiz de meio milhão” e onde o fura-teto é prática comum, ficam de fora e têm a prerrogati­va de impor ou não mudanças dentro do seu quintal. Embora sejam parte do Executivo, os militares – 663 mil -- também foram poupados dessas novas diretrizes, assim como aconteceu na reforma da Previdênci­a.

Em segundo lugar, os dados agregados e as médias salariais escondem muitas diferenças no setor público e correm o risco de produzir distorções nas análises. É fato que os servidores ganham, em média, cerca de 80% mais do que os trabalhado­res da iniciativa privada, até porque a recessão se encarregou de derrubar os rendimento­s nas empresas dos mais variados setores. Mas a distribuiç­ão dos salários dentro da área pública é bastante irregular.

Do total de funcionári­os na ativa e aposentado­s do Executivo, um porcentual bastante expressivo, 15,4%, ganhou no ano passado mais do que RS 13 mil por mês, puxando a média para cima. Em contrapart­ida, 15,6% receberam até R$ 3.500 e 34,8% estavam na faixa de R$ 3.500 a R$ 6.500.

Quanto à concretiza­ção das medidas, também está cercada de muitas dúvidas: praticamen­te todas elas são projetos de lei, que precisam do aval do Congresso. E é aí que as coisas se complicam. Antes de mais nada, porque o Legislativ­o tem as próprias mazelas, mas suas lideranças parecem mais empenhadas em justificá-las do que em combatê-las. Além do mais, os lobbies das categorias atingidas pelo pacote tendem a ficar mais poderosos num momento como o atual, em que o Planalto tenta empurrar sua pauta no Congresso, mas a que acaba vingando é a do Congresso, leia-se do Centrão.

Vai aqui uma breve descrição do estado das coisas na DR entre Executivo e Legislativ­o, em torno da crise fiscal. Parte da base parlamenta­r não aceita a revisão da meta, também não aceita mais impostos, batalha por um Refis mais gordo, mostra uma atitude dúbia em relação aos cortes dos reajustes e benefícios para servidores e ameaça não votar nada, incluindo a reforma da Previdênci­a.

Apesar de todos esses senões, é indiscutív­el que a mudança tem de começar por algum ponto. E o que foi anunciado, especifica­mente para os servidores, vai na direção correta de atacar as despesas com pessoal, afirma o economista Nelson Marconi, da FGV, um dos maiores estudiosos do tema. Ele lembra que, no ano que vem, o teto de gastos deverá ser mais rigoroso, como efeito da queda da inflação. Em relação ao congelamen­to dos reajustes salariais por todo o ano de 2018, para retirar cerca de R$ 5 bilhões da folha de pagamento da União, nem há o que discutir: emergência total. E a reestrutur­ação de carreiras, se conseguir sobreviver no Congresso, pode garantir algum alívio no médio prazo.

Um item básico dessa reestrutur­ação seria baixar o salário inicial de um gestor governamen­tal para R$ 5 mil e permitir que ele chegue ao topo, com rendimento de R$ 24 mil, só depois de 30 anos – hoje o primeiro degrau é de quase R$ 17 mil e a escalada leva apenas 13 anos.

Pelo visto, há muito o que fazer, e rápido. Que não seja por outro motivo, senão pela iminência da quebra do setor público.

Ataque ao gasto com servidores depende do Congresso. Perigo à vista

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