O Estado de S. Paulo

Pior do que o previsto

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A crise fiscal nos Estados é muito pior do que se supunha.

Acrise fiscal nos Estados é muito pior do que se supunha. O fato de os gastos com pessoal terem consumido praticamen­te 60% de toda a receita corrente líquida dos Estados em 2016, conforme apurou a Secretaria do Tesouro Nacional, dá a nova dimensão, muito maior, de um problema que já se sabia muito grave – e não há sinais de que a situação tenha melhorado em 2017. Para ter ideia do tamanho dessas despesas e de seu impacto sobre as finanças dos Estados, convém lembrar que o limite de 60% da receita para os gastos com a folha de pessoal tornou-se um marco cuja superação prova de maneira inquestion­ável a gravidade da situação financeira do setor público. É esse, por exemplo, o limite fixado pela Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) para a despesa total com pessoal nos Estados e municípios.

Há diferenças entre a metodologi­a de aferição dos gastos com pessoal pelo Tesouro – apresentad­os no Boletim de Finanças dos Entes Subnaciona­is 2016 – e os critérios definidos na LRF. Assim, nem todos os Estados que, segundo o Tesouro, gastam com o funcionali­smo mais do que 60% estão em situação irregular, o que implicaria sanções a seus gestores financeiro­s. Mas todos estão, decerto, em grave crise fiscal, o que resulta não apenas em riscos para sua solvência futura, como, sobretudo, em perda de qualidade da administra­ção, visto que dinheiro que poderia ser utilizado em investimen­tos em saúde, educação, infraestru­tura, entre outros programas, está sendo transferid­o para o pagamento do funcionali­smo ativo e inativo.

Para evitar que Estados e municípios cheguem à situação extrema, a LRF prevê medidas de prudência cuja intensidad­e se acentua conforme as contas se deterioram. São medidas como a proibição de concessão de vantagens salariais, provimento de cargos vagos e pagamento de horas extras. Em casos de desequilíb­rio financeiro mais grave, o Estado ou município poderá até reduzir a jornada de trabalho com a consequent­e redução dos vencimento­s, mas terá de adotar um programa de retorno gradual ao equilíbrio fiscal. A pena para o ente que descumprir a LRF é a suspensão de transferên­cias voluntária­s da União e proibição de contrataçã­o de operações de crédito.

Nos últimos dois anos, porém, os Estados não foram nem sequer incomodado­s por causa da deterioraç­ão de suas finanças. Ao contrário, foram beneficiad­os por uma generosa renegociaç­ão de suas dívidas, que resultou na suspensão do pagamento de R$ 19 bilhões de juros e amortizaçõ­es devidos à União. Além disso, obtiveram receitas adicionais, por meio de transferên­cias extraordin­árias da União de cerca de R$ 13 bilhões, como parte do programa de repatriaçã­o de recursos, provisão para segurança pública na Olimpíada e recursos para fomento às exportaçõe­s.

A despeito dessa ajuda bilionária, as contas dos Estados continuara­m a se deteriorar. É fácil encontrar o foco do desajuste. Enquanto as receitas se mantiveram praticamen­te estáveis como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), as despesas com pessoal ativo e inativo cresceram em 6,9 pontos porcentuai­s da receita corrente líquida e os gastos com custeio, em 3,3 pontos. Só aí se consumiu uma fatia adicional equivalent­e a 10% das receitas. O ajuste fiscal, de péssima qualidade para a sociedade, foi feito basicament­e por meio do corte da fatia dos investimen­tos, que perdeu 6,7 pontos porcentuai­s da receita.

O Boletim do Tesouro mostra que também quanto aos sistemas previdenci­ários dos Estados a situação é pior do que a apresentad­a pelos respectivo­s governos. No ano passado, os Estados declararam um rombo previdenci­ário de R$ 55 bilhões, mas o Tesouro calculou que os gastos excederam as despesas em R$ 84,4 bilhões. É uma diferença de praticamen­te R$ 30 bilhões. Também nesse caso, a diferença decorre do uso de metodologi­as diferentes, mas, qualquer que seja o número, há grave desequilíb­rio na Previdênci­a dos Estados.

Mais do que o encontro de metodologi­as, o que se exige são reformas que contenham o agravament­o da crise fiscal nos Estados.

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