O Estado de S. Paulo

Espanha era alvo não tão provável para o EI

Ataques da Catalunha não parecem ser parte de um esforço realmente coordenado pelo comando do grupo extremista

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ACatalunha, que abriga a maior população muçulmana da Espanha, é palco de radicalism­o há algum tempo. De 2012 para cá, a polícia conduziu 30 investigaç­ões antiterror­istas na região, tendo detido 62 suspeitos. Em abril, nove pessoas foram presas em Barcelona e nos arredores da cidade, supostamen­te envolvidas com os atentados terrorista­s de Bruxelas de março de 2016. O jornal El Periódico diz que a CIA alertou a Espanha para a iminência de um atentado em Barcelona, mas a agência de inteligênc­ia americana não parecia ter mais detalhes.

O Estado Islâmico assumiu a responsabi­lidade pelo ataque nas Ramblas, dizendo tratar-se de uma “resposta à convocação para a realização de ataques a países da coalizão” – referência ao grupo de países, liderados pelos EUA, que combatem o grupo. Foi a pior ação jihadista na Espanha desde os atentados a bomba contra trens metropolit­anos de Madri, que mataram 191 pessoas em 2004.

Se os ataques de Madri foram, supostamen­te, uma represália à participaç­ão do país na invasão do Iraque, a motivação dos últimos atentados parece menos óbvia. Na atual campanha contra o EI e outros grupos jihadistas, a Espanha tem participaç­ão menor, fato que alguns imaginavam reduzir os riscos de um atentado. Em 2015, a Espanha retirou quase todas as tropas que mantinha no Afeganistã­o. O país não participa da campanha aérea contra o EI no Iraque e na Síria. Cerca de 400 soldados espanhóis ajudam no treinament­o de forças da polícia e do Exército iraquianos. Na África, a Espanha também contribui com aviões de transporte em missões lideradas pela França no Gabão e no Senegal, além de manter um pequeno contingent­e de 150 soldados no Mali.

De qualquer forma, no emaranhado de ressentime­ntos que os jihadistas cultivam contra o Ocidente, não é difícil encontrar pretextos para um atentado. Mas a escolha dos alvos de ações na Europa talvez tenha menos a ver com os planos dos líderes do EI, cada vez mais acuados em seu autodeclar­ado califado, do que com a disponibil­idade de extremista­s, em alguns casos radicaliza­dos por conta própria, dispostos a executar ataques.

Um detalhe importante que as autoridade­s antiterror­istas tentarão verificar é se os atentados da Catalunha foram cometidos por jihadistas europeus que regressara­m da Síria. Ao contrário da Al-Qaeda, ao reivindica­r a responsabi­lidade por atentados, o EI não costuma divulgar vídeos em que os terrorista­s anunciam seu “martírio”.

Mesmo na remota hipótese de que o EI esteja planejando uma investida coordenada contra a Espanha, o que realmente importa é que os atentados atingiram a Europa toda e o mundo: entre os mortos e feridos, há alemães, franceses, italianos, belgas e gregos. Além deles, contam-se entre as vítimas cidadãos australian­os, paquistane­ses, filipinos, venezuelan­os e chineses.

O turismo é o motor da recuperaçã­o econômica da Espanha desde a crise financeira de 2007-2008. O país recebeu um recorde de 75 milhões de turistas em 2016 e espera número ainda maior este ano: o cresciment­o no primeiro semestre de 2017 foi de quase 12%, na comparação com igual período do ano passado. Em parte, a Espanha vinha se benefician­do do fato de que outros países, como Tunísia, Turquia e Egito, haviam sido alvos de atentados. Barcelona é o principal polo turístico da Espanha, recebendo anualmente 9 milhões de visitantes que permanecem pelo menos uma noite na cidade.

Em 2004, os atentados de Madri tiveram impacto político imediato, eliminando as chances de reeleição do Partido Popular, de centro-direita, na votação realizada alguns dias mais tarde. Não ajudou nem um pouco que seus líderes tivessem equivocada­mente atribuído os atentados à organizaçã­o separatist­a basca ETA. Não se sabe se os atentados enfraquece­rão o apoio à independên­cia da Catalunha no controvert­ido referendo que o governo da região marcou para 1.º de outubro. Por ora, os barcelones­es estão mais preocupado­s em guardar luto pelas vítimas. Ao retornar às Ramblas, no dia seguinte ao massacre, os pedestres se punham espontanea­mente a cantar “não temos medo”.

Ataques em Barcelona, que recebe anualmente 9 milhões de visitantes, atingiu não só a Espanha, mas o mundo

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