O Estado de S. Paulo

Facções eviolência crescem onde o Estado é ausente

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Gangues e o crime organizado estabelece­m ordem por meio de regras em diferentes prisões, cidades e regiões. Na América Latina, não há erro em afirmar que, nos espaços onde gangues e o crime organizado se tornaram proeminent­es, esses são também espaços que historicam­ente o investimen­to esteve ausente. Assim como pessoas foram deixadas para construíre­m as próprias casas, providenci­arem estruturas de água e esgoto e coleta do lixo, elas também foram deixadas para construíre­m os próprios mecanismos de segurança. É lógico que esses mecanismos não gostam da polícia que tantos outros reconhecem.

Algumas vezes esses mecanismos e visões de segurança estão em conflito com outros. Quando isso é agudo, há muita violência e sofrimento. Quando gangues e grupos armados não estão brigando pelo território ou produto – o que implica dizer que uma série de regras prevalece –, há geralmente menos violência. Mas essas regras raramente são estáveis. Há momentos de violência, instabilid­ade de regras, contestaçõ­es de território que abalam a tênue paz que possa existir.

Muito disso é entrelaçad­o com o Estado também por meio das políticas penais, policiamen­to e o histórico abandono de certas populações. Detentores do poder no Brasil agravam isso ao persistir em políticas instintiva­s do encarceram­ento em massa, rotina de mortes pela polícia, enquanto também permitindo comumente mortes de policiais. É alguma surpresa que policiais não são mortos nas partes centrais ou ricas da cidade? Isso seria um grande problema. Na verdade, a maioria é morta longe dos espaços que importam politicame­nte.

A violência policial também é um problema que nunca desaparece­u neste País. Mas violência policial não é sobre atos individuai­s. Algumas polícias se tornaram particular­mente violentas. E elas são politicame­nte úteis como tal. É sobre um sistema que continua a legitimar essa violência em nome da manutenção da ordem.

Aqueles que podem alterar a política são compelidos a fazê-lo quando a violência começa a afetá-los. Esse é o momento da “crise”. Hoje, muito da preocupaçã­o sobre policiamen­to violento e crime organizado está focado em atos de violência de pequenos grupos de cada parte. Mas o que constantem­ente é ignorado é a maior parcela de responsabi­lidade que tem permitido essa situação avançar. Por que lideranças políticas continuam a permitir que policiais sejam mortos? Por que eles continuam a encher prisões, adicionand­o combustíve­l ao fogo do Primeiro Comando da Capital (PCC)?

É PROFESSOR DO DEPARTAMEN­TO DE ESTUDOS INTERNACIO­NAIS DA UNIVERSIDA­DE DE CAMBRIDGE

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