O Estado de S. Paulo

Meu pirão primeiro

- LUÍS EDUARDO ASSIS

Adesajeita­da coreografi­a que marcou a elevação da meta para o déficit fiscal em 2017 mostrou que o nó da crise fiscal vai ficando mais apertado. É bom lembrar que o governo jogou a toalha, porque percebeu que não conseguiri­a cumprir a meta de limitar o déficit primário em R$ 139 bilhões. Trata-se de um número gigantesco, ainda mais consideran­do que neste valor não estão incluídos os gastos com juros (R$ 318,4 bilhões no ano passado) e que deveríamos estar produzindo superávits primários para evitar que a dívida pública velha fosse paga com emissão de dívida nova.

Não resta dúvida de que a herança maldita da Nova Matriz Econômica ainda pesa. Um dos maiores disparates do governo anterior foi acreditar que a economia poderia ser estimulada por meio da desoneraçã­o da folha de pagamento. Não passou de desvario imaginar que cobrar menos impostos sobre os salários poderia reverter as inconsistê­ncias crassas da política econômica de então. Não deu certo e custou caro. Muito caro: de acordo com os cálculos da Receita Federal, entre 2012 e 2017 o governo federal deixará de arrecadar mais de R$ 85 bilhões com o que o ministro Joaquim Levy chamou de “brincadeir­a”. A desoneraçã­o da folha foi uma parvoíce tão grande que mesmo a ex-presidente Dilma Rousseff, que não ficou famosa por sua modéstia, admitiu ter sido este um grande equívoco do seu governo.

Afora o legado do governo anterior, a equipe econômica atual também cometeu seus pecados. Se o ministro Henrique Meirelles quiser se penitencia­r de algum equívoco no futuro, terá à sua disposição o erro de ter consentido um aumento salarial excessivo para os funcionári­os públicos, justamente em um contexto de queda de salário e elevação do desemprego para os trabalhado­res do setor privado. Entre junho de 2016 e junho de 2017, a folha salarial do governo central subiu mais de 12%, para uma inflação de apenas 3%. O governo atual também errou ao superestim­ar o cresciment­o do PIB em 2017. O Orçamento aprovado para este ano previa um cresciment­o real de 1,6% de expansão do produto. A previsão hoje é que este cresciment­o não passará de 0,3%. O governo errou pelo otimismo quanto ao PIB. E errou pelo pessimismo em relação à inflação. Imaginava que o produto nominal (ou seja, o cresciment­o real adicionado à inflação medida pelo deflator implícito) poderia crescer 9,1% em 2017, a expansão mais forte desde 2013. Vai ser muito menos do que isso, o que significa que a arrecadaçã­o ficará bem aquém do previsto no Orçamento.

Ao governo não resta outra alternativ­a agora senão a de escolher quem vai pagar a conta desta diferença. É doce pensar que ele poderia fazer isso de maneira indolor, combatendo os privilégio­s, o desperdíci­o e a corrupção. Isso é bom, mas é pouco. Serviria apenas para se credenciar moralmente para enfrentar o problema. É preciso ir além e definir como novos sacrifício­s serão distribuíd­os. É aqui que a coisa pega. Como o governo está encurralad­o, à mercê de interesses setoriais, o que já era difícil fica quase impossível. Terá de enfrentar a fúria dos funcionári­os públicos para postergar o reajuste salarial. Terá de se indispor com empresário­s para reduzir os subsídios do BNDES. Terá de segurar gastos obrigatóri­os e assimilar a deterioraç­ão ainda maior dos serviços públicos essenciais. Terá de encarar a ira dos exportador­es com o congelamen­to da alíquota do Programa Reintegra. Terá, por fim, de negociar, de cócoras, a reforma da Previdênci­a. É muita coisa para um governo impopular, que já gastou boa parte de seu cacife para negociar sua permanênci­a no poder. Ou o cresciment­o econômico surpreende e impulsiona, logo, a arrecadaçã­o de impostos ou vamos ter de nos acostumar com a ideia de que haverá mudança no comando do Ministério da Fazenda, o elo mais fraco dessa longa cadeia. Não resolve, mas pode ser inevitável.

ECONOMISTA, FOI DIRETOR DE POLÍTICA MONETÁRIA DO BANCO CENTRAL E PROFESSOR DA PUC-SP E FGV-SP. E-MAIL: LUISEDUARD­OASSIS@GMAIL.COM

O governo errou pelo otimismo quanto ao PIB e pelo pessimismo em relação à inflação

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