O Estado de S. Paulo

Ele tinha um toque a mais na composição de seus tipos

- Luiz Zanin Oricchio

Rei da comédia? No caso, o título não é apenas uma distinção ou homenagem, mas define perfeitame­nte Jerry Lewis, que morreu ontem aos 91 anos. As agências divulgaram que o artista faleceu em sua casa em Las Vegas, de “causas naturais” e em paz. Quer dizer, viveu até o esgotament­o do organismo e então se foi. Deixa marca indelével na história de sua arte.

A partir, em especial, de sua provável obra-prima, O Professor Aloprado (1963). Para fazer rir, ele se inspira num texto dramático de Robert Louis Stevenson, O Médico e o Monstro, espécie de estudo romanesco da dupla face que torna o ser humano de difícil definição. Todos têm um lado bom e um lado mau; o que torna uns melhores que os outros é apenas a dosagem em que essas caracterís­ticas se manifestam.

O filme é dirigido e interpreta­do por Lewis, um professor de Química tão genial como pouco atraente e de timidez doentia. Ele inventa uma droga que o transforma em irresistív­el sedutor. Mas, como se sabe, essa intervençã­o externa no delicado equilíbrio da personalid­ade humana não costuma dar certo. E, dessa forma, o balanço artificial entre o Doctor Jekyll do bem e o Mister Hyde do mal acaba dando errado. Muito engraçado e também muito bem dirigido, O Professor Aloprado faz rir muito, e também reflete sobre o aspecto frágil e dificilmen­te controláve­l da natureza humana.

Esse é apenas um título – o melhor de todos – em uma carreira bastante longa e produtiva. No site de cinema IMDB, contam-se 24 créditos de Lewis como diretor e 74 como ator. Muitos filmes dirigidos por ele, ou que o tiveram como ator, tornaram-se familiares ao público brasileiro, como O Fofoqueiro e Bagunceiro Arrumadinh­o, no qual interpreta um enfermeiro hipocondrí­aco.

Como outros cômicos, Jerry Lewis (nascido Joseph Levitch, de uma família de judeus russos) veio do teatro burlesco e firmou nome na comédia pastelão. Além dos filmes, formou com Dean Martin uma dupla histórica na TV americana. Visto com ressalvas pela crítica doméstica, na Europa passou a ser considerad­o um “autor”, tanto pela qualidade como pelo controle que exercia sobre seus filmes. Tinha um toque a mais, diferente, tanto na direção como na composição de seus tipos. E esse “a mais” é o que em arte estabelece a fronteira entre o gênio e o mediano apenas competente. Lewis era caso raro.

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