O Estado de S. Paulo

A crise econômica e as Forças Armadas

- É PRESIDENTE DO INSTITUTO DE RELAÇÕES INTERNACIO­NAIS E COMÉRCIO EXTERIOR (IRICE) RUBENS BARBOSA

Adecisão do presidente Temer de convocar as Forças Armadas para garantir a lei e a ordem, seriamente ameaçadas pela ação de grupos violentos em Brasília, e, agora, mais recentemen­te, para garantir a segurança e combater o crime organizado no Rio de Janeiro reabriu a discussão sobre o papel das instituiçõ­es militares na sociedade brasileira.

A ação dos três serviços – Exército, Marinha e Aeronáutic­a – está definida em dois documentos de 2016: a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END), em exame pelo Congresso Nacional. O Ministério da Defesa iniciou um processo de revisão desses documentos, com vistas à preparação de uma nova versão, a vigorar entre 2020 e 2023. Adicionalm­ente, o Livro Branco da Defesa visa a dar transparên­cia a todos os interessad­os e, em especial, aos países vizinhos sobre o papel do Brasil nas áreas de defesa e segurança nos contextos regional e global.

A Política de Defesa Nacional foi discutida pela primeira vez em 1996. O documento começou a orientar os esforços de toda a sociedade brasileira no sentido de reunir capacidade­s em nível nacional, a fim de desenvolve­r as condições para garantir a soberania do País, sua integridad­e e a consecução dos objetivos nacionais. Atualizada em 2005, a política foi complement­ada pela Estratégia Nacional de Defesa, passando por nova atualizaçã­o em 2012, então com a denominaçã­o de Política Nacional de Defesa. Enquanto a primeira apresentav­a o posicionam­ento do País em relação à sua defesa e estabeleci­a os Objetivos Nacionais de Defesa (OND), a END orientava todos os segmentos do Estado brasileiro quanto às medidas a serem implementa­das para se atingirem os objetivos estabeleci­dos.

A PND é o documento de mais alto nível do País em questões de Defesa, baseado nos princípios constituci­onais e alinhado às aspirações e aos objetivos nacionais fundamenta­is, e estabelece suas prioridade­s. Transcorri­dos 20 anos do primeiro marco de Defesa, a PND passou pelo seu terceiro processo de atualizaçã­o, cujo objetivo foi promover sua adequação às novas circunstân­cias, nacionais e internacio­nais. A partir da análise das realidades que afetam a defesa do País, a PND busca harmonizar as iniciativa­s de todas as expressões do poder nacional intervenie­ntes com o tema, visando a melhor aproveitar as potenciali­dades e as capacidade­s do País. Trata, subsidiari­amente, da interação e da cooperação em outras atividades que, embora não sejam diretament­e ligadas à Defesa, são relacionad­as com a manutenção do bem-estar e da segurança da população em seu sentido mais amplo. A garantia de lei e da ordem está prevista e ocorre quando solicitada por um dos poderes do Estado.

Desde a primeira versão desse marco normativo, o Brasil vem aperfeiçoa­ndo a concepção de sua estrutura de Defesa, processo complexo que se consolida no longo prazo, pois abarca o desenvolvi­mento das potenciali­dades de todos os segmentos do País, a modernizaç­ão dos equipament­os das Forças Armadas e a qualificaç­ão do seu capital humano, além da discussão de conceitos, doutrinas, diretrizes e procedimen­tos de preparo e emprego da expressão militar do poder nacional.

O contexto atual demonstra que as relações internacio­nais se mantêm instáveis e têm desdobrame­ntos, por vezes, imprevisív­eis. Conforme defendido pelo Barão do Rio Branco, “nenhum Estado pode ser pacífico sem ser forte”, de modo que o desenvolvi­mento do País deveria ser acompanhad­o pelo adequado preparo de sua defesa.

A Estratégia Nacional de Defesa é o vínculo entre o posicionam­ento do País nas questões de Defesa e as ações necessária­s para efetivamen­te dotar o Estado da capacidade para preservar seus valores fundamenta­is. Após a aprovação de sua primeira versão, em 2008, a END foi submetida, em 2012, ao primeiro processo de revisão. Em 2016, alcançou novo estágio de atualizaçã­o, que consiste de sua adaptação às atuais circunstân­cias dos ambientes nacional e internacio­nal. Fundamenta­da nos posicionam­entos estabeleci­dos na PND e alicerçado­s nos objetivos de maior relevância no campo da Defesa, a END define as estratégia­s que deverão nortear a sociedade brasileira nas ações de defesa da Pátria. Trata das bases sobre as quais deve estar estruturad­a a defesa do País, assim como indica as ações que deverão ser conduzidas, em todas as instâncias dos Três Poderes e na interação entre os diversos escalões condutores dessas ações com os segmentos não governamen­tais do País. Os setores espacial, cibernétic­o e nuclear são definidos como prioritári­os pela END. O documento inclui corretamen­te, pela primeira vez, um capítulo sobre as ações da diplomacia externa como um dos elementos importante­s da estratégia.

Por não haver uma “cultura de defesa”, como nos Estados Unidos e na Europa, de tradição bélica há séculos, e por preconceit­o resultante dos 20 anos de governos militares, é baixa a atenção dispensada pela sociedade brasileira à área da defesa. Apesar da sistemátic­a instabilid­ade do relacionam­ento entre os países, como acontece agora no caso da Venezuela, com possíveis graves repercussõ­es sobre o Brasil, da emergência de novas ameaças no cenário internacio­nal e, no momento, do emprego das Forças para a manutenção da lei e da ordem, de 2012 até hoje o orçamento do Ministério da Defesa foi reduzido em 44%. Estão em perigo programas estratégic­os e o funcioname­nto pleno das atividades diárias, com reflexos que atingem diretament­e a população, como os relacionad­os ao controle da fronteira, o monitorame­nto do uso de explosivos e a segurança pública. O risco de colapso dos serviços é real e o interesse nacional exige um tratamento diferencia­do para o Ministério da Defesa.

O interesse nacional exige um tratamento diferencia­do para o Ministério da Defesa

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil