O Estado de S. Paulo

Diálogos musicais pelo mestre húngaro András Schiff

Pianista faz dois recitais na Sala São Paulo em que combina a obra de Bach, Bartók, Schumann e Janácek

- ESPECIAL PARA O ESTADO João Luiz Sampaio

Na juventude, o pianista húngaro András Schiff teve um longo contato com o compositor Gyorgy Kurtág. Não que a composição lhe interessas­se particular­mente. Mas as lições também serviriam ao intérprete. A primeira delas: tocar também é um ato de criação. A segunda: “Kurtág me ensinou a realmente amar a música. Com ele eu entendi que a relação com ela não é apenas uma questão de vida ou morte. É muito mais importante do que isso”, ele explica – abrindo, em ambos os casos, uma janela em direção àquilo que o define como artista e que fez dele um dos maiores pianistas de sua geração, responsáve­l por gravações que são hoje referência.

Schiff faz dois recitais esta semana na Sala São Paulo, pela temporada da Cultura Artística. Hoje, toca o primeiro livro de O Cravo Bem Temperado, de Bach, um tour de force que coloca o intérprete perante uma das obras mais importante­s de todo o repertório. Na quinta, a atração é uma combinação da música de Bach com compositor­es dos séculos 19 e 20: Schumann, Bartók e Janácek.

Schiff dedicou-se nos últimos anos à interpreta­ção e gravação das 32 sonatas de Beethoven. É um formato que lhe agrada: dedicar-se, durante um período longo de tempo, ao universo de um autor. “De todos os grandes compositor­es, Beethoven é provavelme­nte o mais complexo. Suas obras não podem ser colocadas em uma única categoria. Algumas são dramáticas, outras doces e líricas, e há aquelas que são imensament­e engraçadas. Então, um bom intérprete de Beethoven precisa ser como um grande ator shakespear­iano. De uma maneira bastante pessoal, acredito que minha experiênci­a com Beethoven me transformo­u em um ser humano, espero, melhor.” Em tempo: após cada um dos concertos em que realizava a integral das sonatas, Schiff dedicou-se a tocar algumas peças como bis. E ele acaba de lançar um disco em que as reúne, chamado Encores After Beethoven (selo ECM).

Diálogos. Depois de anos dedicados a Beethoven, Schiff retorna agora, então, a Bach. Retorno? Ele questiona o comentário. “Dizer que estou retornando a Bach significa que eu o abandonei em algum momento. Bach, na verdade, é parte mais essencial de toda a minha existência. Eu começo todos os meus dias tocando Bach, por pelo menos uma hora. É algo que limpa a minha alma, minha mente, meu corpo”, afirma.

Nesse sentido, a relação com o Cravo Bem Temperado está ligada à sua própria essência como músico. E o que dizer do segundo programa? “Ele na verdade trata de duas conversas, dois diálogos, primeiro entre Bach e Bartók e depois entre Janácek e Schumann. No primeiro, encontramo­s dois compositor­es que foram grandes intérprete­s de instrument­os de teclado e pedagogos excepciona­is. As Invenções e Sinfonias de Bach foram escritas para educar suas crianças, são uma introdução à sua arte. Bartók continua esse processo, 200 anos mais tarde. Ainda que sua música fale uma língua diferente, a herança de Bach é claramente perceptíve­l.”

 ?? ROBERT CAPLIN/THE NEW YORK TIMES ?? Experiênci­a. ‘Beethoven me transformo­u em um ser humano, espero, melhor’
ROBERT CAPLIN/THE NEW YORK TIMES Experiênci­a. ‘Beethoven me transformo­u em um ser humano, espero, melhor’

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