O Estado de S. Paulo

O silêncio do Big Ben

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Mr. Miles ficou espantado com a numerosa correspond­ência que recebeu comentando sua crônica sobre emojis. “Agradeço inclusive os muitos emojis que recebi, de forma bem-humorada e irônica. Mas volto a afirmar que, apesar da preguiça que impera no mundo, uma palavra costuma valer mais do que mil imagens.” O viajante britânico, ora observando ursos polares em Churchill, no Canadá, responde à pergunta semana:

• Prezado Mr. Miles: li que o principal símbolo de seu país está se inclinando tal qual a Torre de Pisa. Será mesmo que o Big Ben vai cair?

Suzana Kaufmann, por e-mail

“Well, Suzie, my darling: o verdadeiro Big Ben, posso lhe assegurar, caiu – poor man! – em 27 de abril de 1867. E repousa em paz. Trata-se de Sir Benjamin Hall, primeiro barão de Llanover, ministro de Obras Públicas de nosso reino que fez construir a Torre do Relógio (Clock Tower) do Palácio de Westminste­r até o ano de 1858.

O nome Big Ben, however, não se refere à torre (que se chama Elizabeth, como nossa monarca), mas ao imenso sino de 3 metros de diâmetro e 13 toneladas que, desde então, badala para pautar a vida de todos os britânicos, tornando-nos célebres por nossa pontualida­de. Não importa a que distância estejamos dele. A BBC transmite seu toque incomparáv­el para todo o planeta.

A inclinação a que você se refere (shame on us!) existe de fato. Nesses 158 anos de existência, a torre de 96 metros e 30 centímetro­s adernou 0,26 graus em direção ao noroeste, devido ao movimento do solo e à construção de túneis do tube (N. da R.: metrô, ao jeito inglês de falar) nas proximidad­es.

Nossos melhores cientistas e geólogos estão trabalhand­o com afinco em busca de uma solução, porque todos os cálculos levam a acreditar que a Clock Tower estará tão inclinada quanto a Torre de Pisa daqui a 10 mil anos.

Parece longe, isn’t it?

Mas é preciso pensar no futuro!

Neverthele­ss, há um grande grupo de marketing boys em Londres que defende a ideia de que a cidade explore, em seu benefício, essa semelhança com a torre italiana. Segundo eles, a nossa inclinação já seria visível e esse fator poderia atrair ainda mais turistas para a cidade.

Well, não sei se estou com a vista cansada depois de tanta beleza que meus olhos gravaram nesta vida viajora. O fato é que não consegui ver nenhum sinal de que a torre esteja adernando.

Preocupa-me, however, a questão da mundialmen­te famosa pontualida­de do relógio, atestada pelo badalar do Big Ben. Unfortunat­ely, sou obrigado a admitir que o mecanismo vem sofrendo avarias muito frequentes nos últimos tempos. A primeira delas, em 1976, que durou quarenta dias, causou pânico em nossas ilhas. Ninguém mais conseguia marcar compromiss­os. Os atrasos em encontros tornaram-se vexaminosa­mente comuns. A BBC tentou remediar a situação substituin­do o ruído vigoroso do Big Ben por um pífio ‘pip’. Os problemas voltaram a se repetir, em menor escala, em 2005, 2006 e 2007.

Oh, my God! Eis porque o Big Ben ficará mudo pelos próximos três anos. Chegou a hora de curá-lo de seus pequenos problemas e, therefore, salvar a Civilizaçã­o. As custosas obras, de R$ 120 milhões, incluem a troca do pêndulo. A promessa é de que ele supere alguns raros momentos desafinado­s de sua longa história.

Como se vê, dear Suzie, o espírito de sir Benjamin Hall encarnou em nossas autoridade­s e há de acertar os ponteiros – apesar do prejuízo visual que os viajantes sofrerão no próximo triênio. Mas, o que fazer, my friends? Sem as reformas, nossos descendent­es estarão condenados a amarrar tirantes na conhecida torre, como no caso de Pisa – embora alguma nova tecnologia deva existir em 10 mil anos. Don’t you agree?

É possível, however, que depois da reforma, a Torre até possa receber visitantes. Porque hoje, as you know, qualquer pessoa pode fotografar ou filmar a Clock Tower por fora. Entrar nas entranhas da torre, porém, é outra história. Uma lei excentrica­mente nossa permite apenas aos cidadãos britânicos que subam os 334 degraus que levam até um belo mirante da cidade. E que, of course, ali em cima acertem seus relógios com o máximo de precisão.” É O HOMEM MAIS VIAJADO DO MUNDO. ELE ESTEVE EM 183 PAÍSES E 16 TERRITÓRIO­S ULTRAMARIN­OS

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TOBY MELVILLE/REUTERS
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