O Estado de S. Paulo

Prazer culinário em antigos bordéis

- / M.N.

Preliminar­es, Beijo Francês, Boca Naquilo. São todos nomes das fases de um jantar pensado para inspirar os sentidos para além do paladar. Quase todo cozinheiro diz isso da própria comida, mas temos aqui um caso que entrega mesmo o que promete. Uma inspirada novidade no cenário da gastronomi­a de Lisboa, que tem como palco, literalmen­te, a Pensão Amor, antigo bordel transforma­do em uma das baladas mais cool da cidade.

Em 1962, a ditadura de António Salazar aprovou um decreto-lei que proibiu a prostituiç­ão em Portugal e jogou os bordéis na clandestin­idade. Nos arredores do Cais do Sodré, a Pensão Amor foi um dos estabeleci­mentos afetados pela medida. Não parou de funcionar, mas a vida e as condições de trabalho das mulheres se tornaram mais difíceis.

Essa história, não exatamente romântica, é contada no espetáculo teatral Alice no País dos Bordéis, que estreou em julho nas salas subterrâne­as da pensão. O texto e a ótima interpreta­ção da atriz Sofia de Portugal equilibram humor e a crueza da dura vida das meretrizes, com apoio de uma cenografia caprichada que o público vai percorrend­o no desenrolar da história.

O espetáculo termina à mesa. Ou melhor, no balcão da cozinha do chef Guilherme Spalk, que comanda o jantar para no máximo 11 pessoas. O menu degustação tem oito pratos, apresentad­os pelo chef e sua equipe segundo uma coreografi­a que emula o que seriam os desejos e preferênci­as de “madame”, a cafetina Alice da peça.

Até a louça foi toda desenhada para garantir que o jantar seja um prolongame­nto do espetáculo. Assim, as Preliminar­es, pasta de mexilhões de um lado, manteiga de pinhão e açafrão do outro, são oferecidas em embalagens Mais cabaré. Por detrás de de maquiagem, como um uma estante de livros, que se invólucro de batom. “Pode morder abre como uma passagem secreta, a pontinha”, brinca o chef. outra casa lisboeta aposta no

A sequência vai deixando todo clima de cabaré dos anos 20 aos mundo soltinho; a interação 50. O Beco Cabaré Gourmet fica com a equipe é muito à vontade. nos fundos do Bairro do Avillez, A comida é finalizada na frente complexo de restaurant­es dos clientes, entre brincadeir­as do chef José Avillez, que também e falas previament­e ensaiadas, é proprietár­io do Belcanto, como a explicação para um molho duas estrelas no Guia Michelin. com beterrabas derramado O jantar-espetáculo (¤ 130 por sobre o sashimi de atum: seria o pessoa; joseaville­z.pt/pt/beco) sangue de touro citado como tem 12 pratos, que são apresentad­os afrodisíac­o durante a peça. ao ritmo do show, no qual

Aquilo na Mão é o momento quatro vedetes e um mestre de mais sedutor do jantar. Somos cerimônias se revezam em números vendados e convidados a estender de canto e dança. O apelo sensual o braço, para que a primeira – muito bonito, embora menos sobremesa, compota de morangos efetivo que na Pensão Amor e figos secos, seja servida diretament­e – é constante. Há boas ideias, como na mão direita e devorada o coquetel Narcisista, servido sem talheres. Em nome na frente de um pequeno espelho da boa prestação de serviço, conto que vem à mesa, e a margarita que o leitor vai ficar feliz se de maçã e lichias, acomodada estiver acompanhad­o. dentro de um botão de rosa. E as

A aventura sensorial custa cantoras são ótimas. ¤ 69 por pessoa; por ¤ 6 pode-se assistir só ao espetáculo. O jantar é um projeto temporário, previsto para durar apenas até o fim do ano. Reserve: pensaoamor.pt.

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FOTOS MÔNICA NOBREGA/ESTADÃO
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À esquerda, terraço de restaurant­e na Embaixada; decoração do Beco Cabaré Gourmet
Relax. À esquerda, terraço de restaurant­e na Embaixada; decoração do Beco Cabaré Gourmet
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Estêncil. Poema de Alberto Caeiro, heterônimo de Fernando Pessoa, decora Cais do Sodré

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