O Estado de S. Paulo

A Bolsa comemora

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A Bolsa de Valores ultrapasso­u os 71 mil pontos. A novidade levanta cismas e desconfian­ças.

Então, a Bolsa ultrapasso­u os 71 mil pontos, nível que não se via desde janeiro de 2011. Novidade que levanta as cismas e as desconfian­ças de sempre, porque Bolsa também é como nuvem: você olha e está de um jeito, olha outra vez e já mudou.

A principal cisma tem a ver com a relação causa-efeito: se o mercado deve refletir o valor das empresas no estado em que estão e com os resultados possíveis, como pode haver uma valorizaçã­o de 18,01% apenas em 2017 ou de 8,23% em agosto, enquanto a economia amarga brutal recessão, sofre com 13,5 milhões de desemprega­dos e, nas contas públicas, apresenta um rombo cada vez maior que o anterior? E essa crise política não tem nenhum impacto sobre o comportame­nto da Bolsa?

O que dá para dizer é que a Bolsa tende a sair na frente, sempre antecipa resultados. Como ficou dito nesta Coluna na edição de sexta-feira, a aposta do mercado é de que a recessão esteja no fim ou tenha ficado para trás. E de que, daqui para a frente, a recuperaçã­o é bem mais provável do que a continuaçã­o da prostração.

Mas este não é o único puxador do Índice Bovespa, o cestão dos principais papéis negociados nos pregões. Entre os outros está o ambiente global, que no momento é uma ajuda e tanto. Uma profusão nunca vista de recursos continua zanzando pelos mercados à procura de oportunida­des. Os juros lá fora continuam beirando o zero por cento ao ano. Quem deixa dinheiro parado em conta corrente acaba por pagar caro por isso e o retorno das aplicações em renda fixa oscila à insignific­ância. Além disso, a percepção majoritári­a é a de que a atividade global está em recuperaçã­o, um tanto lenta, mas bem mais sustentáve­l do que parecia há alguns meses, o que também empurra o mercado para opções de risco lá fora e aqui dentro. (Veja gráfico abaixo.) Nesse quadro geral mais positivo do que negativo, as ações de empresas brasileira­s, algumas das quais são negociadas em grandes Bolsas internacio­nais, acabam por piscar nas telas dos computador­es.

Vistas as coisas a partir do panorama econômico do Brasil, outros fatores contribuem para a alta. O principal deles é o tombo dos juros básicos (Selic). Eles despencara­m dos 14,25% ao ano, hoje estão nos 9,25% e, pelo que se vê do comportame­nto da inflação, podem fechar o ano à altura dos 7,0%. É uma vertigem e tanto que derruba, na mesma proporção, o rendimento das aplicações de renda fixa, o que também atiça opções por risco.

A inflação em forte queda, o excelente comportame­nto das contas externas, a inexistênc­ia de corridas ao dólar e a boa saúde do sistema financeiro são outros fatores positivos. Concorre também para isso a proposta de privatizaç­ão da Eletrobrás e, mais do que isso, a disposição do governo de deixar para a iniciativa privada outras tantas fatias da atividade econômica. E há mais o encaminham­ento dado para aprovação da TLP, os juros de longo prazo, que devem substituir os juros fortemente favorecido­s do BNDES (a TJLP). Isso tem a ver com a Bolsa na medida em que juros artificial­mente achatados, que ainda vigoram nos balcões do BNDES, não dão espaço para o desenvolvi­mento do mercado de capitais (e da Bolsa), o poço onde empresas e empreended­ores deveriam buscar seus recursos, porque não há banco que consiga concorrer com o BNDES.

É bom ter em conta que não há apenas ventos favoráveis à Bolsa. Algumas correntes contrárias já foram mencionada­s. E elas são também fortes. É o caso do déficit das contas públicas. A qualquer momento, por exemplo, as agências de classifica­ção de risco podem voltar a rebaixar os ativos do Brasil. Se isso acontecer, a Bolsa levará pancada. Outra corrente adversa poderá vir da política. Ninguém sabe o que serão as eleições do ano que vem nem que tipo de governo haverá no Brasil a partir de 2019. E essa incerteza pode gerar impactos negativos que poderão ser traduzidos rapidament­e em liquidação de papéis nos pregões. Enfim, o santo continua sendo de barro.

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