O Estado de S. Paulo

‘É preciso superar modelo sindical de Justiça no Brasil’

Empossado no TRE, desembarga­dor critica conselhos do sistema de Justiça e associaçõe­s de representa­ção de classe

- William Castanho

Fábio Prieto, de 55 anos, desembarga­dor federal e ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), que abrange São Paulo e Mato Grosso do Sul, tomou posse no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) na sexta-feira com um discurso crítico ao atual sistema de Justiça brasileiro.

Para o magistrado, os órgãos de controle, formados por quatro conselhos – o Nacional de Justiça (CNJ), da Justiça Federal (CJF), da Justiça do Trabalho (CJT) e o Nacional do Ministério Público (CNMP) – falham na missão de fiscalizar as instituiçõ­es, incham a burocracia estatal e deveriam ser revisitado­s. A fim de mudar esse cenário, Prieto propõe uma reforma da reforma do Judiciário promovida pela Emenda Constituci­onal 45, de 2004.

Além disso, com as mudanças da década passada, associaçõe­s de classe, para o desembarga­dor, passaram a desvirtuar a essência da Justiça em defesa de interesses próprios, ofuscando o surgimento de bons juízes e boas lideranças: “O juiz tem de fazer sentença, e o desembarga­dor tem de fazer voto”. Segundo Prieto, “é preciso superar o modelo corporativ­o-sindical, fazer a reforma liberal do sistema de Justiça”. Leia os principais trechos da entrevista ao Estado:

A criação de um fundo público bilionário para campanhas está na pauta do Congresso. Caso a proposta seja aprovada, a responsabi­lidade no TRE aumenta? Receberemo­s uma responsabi­lidade que não existe e vamos ter de dar conta dela. Então, vamos ter de investir na área de softwares que fazem análise econômica, que cruzam pagamentos, isso tudo existe. Vai ter um custo, e a assessoria técnica do tribunal terá de preparar relatórios. Hoje isso é feito, claro, com nível de custo muito inferior, mas vamos ter de enfrentar (caso seja aprovado o uso de recursos públicos em campanhas) em uma outra magnitude. Que há mecanismos, há. Não é uma coisa fácil, não é uma coisa simples, é um volume de dinheiro muito grande, especialme­nte aqui em São Paulo, mas é um problema passível de enfrentame­nto.

O senhor tem um discurso crítico ao sistema de Justiça. Quais são os principais problemas?

O principal problema da reforma do Judiciário é sua matriz. Não adianta olhar, por exemplo, para um grande (volume de) dinheiro pago a um juiz e não saber se se trata de vencimento ou indenizaçã­o. Por que nós não sabemos? Porque nós criamos uma estrutura, um sistema de controle, que não funciona. Qualquer sistema de controle eficaz daria a resposta. A imprensa não sabe, nós, juízes, não sabemos. Por que isso acontece? Nós temos quatro conselhos. Não é possível ter um sistema operando em quatro prédios diferentes, com quatro grupos de servidores diferentes e que adotam decisões contraditó­rias ou inconciliá­veis. Nesses quatro conselhos, as composiçõe­s são temporária­s, mandatos curtos, portanto no modelo se criou uma instabilid­ade gerencial. Se há um sistema de controle de última instância, colocam-se lá as pessoas que estão no topo do sistema. No Judiciário, são os ministros do Supremo Tribunal Federal.

Por que esses conselhos da reforma de 2004 permitiram a criação de mecanismos de defesa de interesses do Judiciário? Na medida em que não se trabalhou com juízes do Supremo, fez-se uma composição que é permeável à corporação. São juízes de primeiro grau, juízes de apelação. Não se pode, por exemplo, dar uma responsabi­lidade de diretor financeiro e chamar o sujeito que está no nível intermediá­rio de uma empresa. É um modelo gerencial ruim. O que acontece? Hoje, no Brasil, não sabemos quantas associaçõe­s de juízes existem. O CNJ diz que os tribunais não podem fiscalizar os pedidos de afastament­o de um juiz. Mas um juiz não poderia ser assessor, pela própria definição. Assessor, essa figura que não existe, é subordinad­o, e pode ser dispensado a qualquer momento. O juiz é um agente político caro, bem treinado. Se não há isso, estou formando maus juízes e instigando lideranças ruins. Esse dano ao País é muito grande.

Essas lideranças surgem quando se permitem as associaçõe­s? Algumas associaçõe­s assumiram discurso de sindicato. Há presidente de associaçõe­s dando palpite sobre tudo. Ora, veja, é proibido ter sindicaliz­ação de juiz. Nos países em que há sindicatos de magistrado­s, o Poder Judiciário é fraco. O que a sociedade quer é resolver seus problemas com uma magistratu­ra que tenha uma certa autoridade para decidir as coisas. O juiz não pode estar gritando sobre o que o deputado está fazendo, sobre o que o empresário está fazendo, sobre o que o jornalista está fazendo. Esse modelo também tem este problema: há juiz que parece sindicalis­ta falando, expedindo nota sobre tudo, sobre qualquer assunto. Esse não é o nosso papel.

Como mudar isso?

Temos de reformar a reforma. Primeiro, acabar com os quatro conselhos. Segundo, essas composiçõe­s que foram feitas não podem continuar a ser feitas. Não pode, por exemplo, alguém como eu, que sou desembarga­dor, sentar no conselho por dois anos e depois voltar para o tribunal. Você não tem a independên­cia necessária.

Seriam só ministros do STF ou poderia ter membros de outros tribunais superiores?

Só do Supremo. É a responsabi­lidade de última instância. Não se pode dar essa responsabi­lidade para a diretoria errada.

O senhor diz que adotou medidas anticíclic­as no TRF-3 em relação às orientaçõe­s do CNJ. O que são essas medidas?

Nossa Lei Orgânica proíbe, por exemplo, que o juiz seja assessor do presidente, por uma razão óbvia: a nota do juiz é ser independen­te. A Constituiç­ão implicitam­ente proíbe. O juiz só pode substituir o desembarga­dor para julgar processos em circunstân­cias muito especiais, como ficar doente. Hoje, o juiz vai ser assessor do presidente do tribunal, assessor de desembarga­dor. Isso é função de funcionári­o, nós pagamos uma burocracia para isso.

Qual o efeito prático disso?

Há vários. O mais grave é aquele que a sociedade talvez tenha maior dificuldad­e de ver: a formação de lideranças ruins dentro de um Poder de Estado. O juiz é como um cirurgião: tem de pegar aquele sujeito quando sai da faculdade, colocá-lo para começar a fazer a cirurgia e deixá-lo por 15, 20, 30 anos. Se se estimular um juiz no começo de carreira a ser terceiro-secretário de uma associação, ele se afasta e vai ser militante, não trabalha. Depois vai ser assessor do presidente do tribunal, não trabalha. Antigament­e, os juízes disputavam os lugares mais difíceis. Hoje, ele vai contar que foi assessor de não sei quem, que foi da associação, de um grupo de trabalho. O juiz tem de fazer sentença, e o desembarga­dor tem de fazer voto. É essa a nossa função. É preciso superar o modelo corporativ­o-sindical, fazer a reforma liberal do sistema de Justiça.

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GABRIELA BILO / ESTADÃO TRE. Para o juiz Fábio Prieto, órgãos de controle falham na missão de fiscalizar instituiçõ­es

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