O Estado de S. Paulo

Colômbia pós-conflito

- EMAIL: CARTA@LOURIVALSA­NTANNA.COM LOURIVAL SANT’ANNA ESCREVE AOS DOMINGOS

Oacordo de paz entre as Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc) e o governo colombiano avança esta semana, quando a guerrilha lança seu novo partido político. Embora não tenha sido um dos mediadores, o Brasil esteve presente em cada momento desse processo. A compra de 25 aviões de combate Super Tucanos, da Embraer, em 2005, foi decisiva para as Forças Armadas colombiana­s romperem o equilíbrio de forças com a guerrilha. Versão aprimorada dos Tucanos, que a Colômbia também adquirira nos anos 90, os Super Tucanos tiveram na selva colombiana o seu campo de testes real e hoje fazem parte do arsenal de várias forças aéreas, incluindo a americana, que os emprega no Afeganistã­o.

O enfraqueci­mento militar das Farc foi determinan­te para que elas se engajassem em negociaçõe­s para valer. O Exército e a Marinha do Brasil participar­am do esforço de retirada das minas, um dos flagelos herdados do conflito de seis décadas.

Um tema central da negociação foi o desenvolvi­mento rural. A luta pela reforma agrária motivou a criação das Farc, nos anos 60. O tema engloba a substituiç­ão da coca por cultivos lícitos. Esse é o grande desafio: ao contrário dos produtos legais, a coca já dispõe de escoamento e comerciali­zação, e rentabilid­ade cinco vezes maior.

A Secretaria de Agricultur­a Familiar e Desenvolvi­mento Agrário (Seade) do Brasil tem conduzido projetos de capacitaçã­o de agricultor­es colombiano­s para venderem suas uchuvas (physalis), granadilla, maracujá, cacau, arroz, carne e leite para o mercado local, para o setor público (na forma de merendas e refeições dos presídios) e até para exportarem para EUA e Europa, no caso do abacate.

Os projetos começaram em dois Departamen­tos (Estados): Nariño e Antioquia. Agora, o Ministério da Agricultur­a colombiano está pedindo à Seade sua ampliação para dez Departamen­tos, perfazendo as grandes fronteiras agrícolas da Amazônia e da Orinoquía (cerrado).

“O alto comissário da paz, Sergio Jaramillo, agora nomeado embaixador em Bruxelas, me disse que a Colômbia tem muito o que aprender com o Brasil em política agrária e o intercâmbi­o precisa ser intensific­ado”, conta o embaixador brasileiro em Bogotá, Julio Bitelli. Nas negociaçõe­s com a outra guerrilha colombiana, o Exército de Libertação Nacional (ELN), o Brasil participa diretament­e.

Essa cooperação atravessou os governos do PT e do PMDB/PSDB, sem a ruptura observada em outras frentes da política externa brasileira. O estreitame­nto se espelha também nas relações comerciais, com o Brasil se benefician­do do cresciment­o econômico colombiano (de 2010 a 2016, os índices foram: 4%, 6,6%, 4%, 4,9%, 4,4%, 3,1% e 2%). No ano que vem, entra em vigor um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a Colômbia, depois de excluir a Venezuela, que a ele se opunha.

O número de empresas brasileira­s instaladas na Colômbia saltou de 40, em 2014, para 65. Em um pequeno restaurant­e do centro de Bogotá, um jovem conta sobre um trabalho que está fazendo para a empresa de cosméticos brasileira Natura. Em frente, no terminal do Transmilen­io, corredor de ônibus concebido pelo urbanista brasileiro Jaime Lerner, cartazes do Itaú oferecem ingressos para o próximo Rock in Rio para os clientes de seu cartão de crédito.

Um funcionári­o circula pela redação do jornal El Tiempo, o mais importante do país, com um abrigo da Seleção Brasileira. A comoção e solidaried­ade dos colombiano­s na tragédia da Chapecoens­e cimentaram essa relação.

Todo dia há notícias de avanços das investigaç­ões pelo Ministério Público colombiano, prisões e demissões de empresário­s e funcionári­os do governo envolvidos no esquema de corrupção da Odebrecht. Exilada em Bogotá, a ex-procurador­a-geral venezuelan­a Luisa Ortega anunciou em Brasília ter provas contra os dois homens fortes de seu país, Nicolás Maduro e Diosdado Cabello. O regime chavista reagiu emitindo ordem internacio­nal de captura contra Ortega, a quem o Brasil também ofereceu asilo.

A Colômbia é um exemplo do poder brando do Brasil, algo que muitos países ricos sonhariam ter. Ela lembra ao Brasil do que ele é capaz.

Brasil tem ajudado os colombiano­s a substituir a coca por cultivos lícitos

DOMINGO, 27 DE AGOSTO DE 2017

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