O Estado de S. Paulo

‘Privatizar alivia, mas não resolve as contas’

País pode ter nova crise econômica caso o desarranjo das contas públicas não seja resolvido, diz economista

- Armando Castelar, Douglas Gavras

Para o economista Armando Castelar, do Ibre/FGV, a recuperaçã­o da economia não é pontual, mas o desarranjo das contas públicas, caso não seja resolvido logo, pode levar o País a semear uma nova crise. Ele lembra que medidas como o pacote de privatizaç­ões anunciado pelo governo na última semana alivia a situação do Tesouro, mas não resolve a questão. Leia, a seguir, trechos da entrevista.

O governo tem se esforçado para transmitir a ideia de que a recuperaçã­o econômica é consolidad­a. A retomada é sólida? Não é pontual. De maneira geral, vemos algumas indicações de que as coisas estão melhorando. Em setores como a construção civil, a recuperaçã­o é mesmo mais lenta, mas podemos dizer que a recuperaçã­o está andando. Isso é perceptíve­l na indústria, no comércio, no setor de serviços, um pouco no mercado de trabalho, já há alguma melhora na concessão de crédito. E tem ainda um fator auxiliar, que é a queda contínua dos juros.

Mas os economista­s ponderam que ainda não está tudo bem...

A recuperaçã­o cobra que duras medidas fiscais ainda sejam feitas. A economia vive hoje um paradoxo. Os indicadore­s estão bons, as reservas estão em boa situação, os salários reais, apesar do desemprego alto, estão aumentando. Mas a situação fiscal é muito ruim, mesmo que o resto esteja caminhando em uma direção boa. Estaremos semeando uma nova crise se nada for feito.

Por que a velocidade da recuperaçã­o é mais lenta do que as estimativa­s anteriores do governo? A recuperaçã­o é lenta por uma combinação de fatores. Em primeiro lugar, as empresas ainda estão muito alavancada­s, embora a tendência seja de que, com os juros caindo, a situação de endividame­nto das empresas melhore. O segundo problema é que a contração fez as empresas trabalhare­m com muita capacidade ociosa. Este ano, o investimen­to tende a cair em relação a 2016. Quem está endividado e tem ociosidade demora a investir. Há ainda muita incerteza, o que tem postergado investimen­tos. A primeira medida importante para alavancar o cresciment­o é reduzir as dúvidas sobre a capacidade de o governo resolver o nó de suas contas. A equipe econômica vem tentando isso, com a reforma da Previdênci­a, por exemplo.

A crise política, que conturbou a discussão das reformas, ajudou a atrasar a recuperaçã­o?

A reforma da Previdênci­a é central na melhora das contas do País, e a crise política causa um efeito muito ruim nesse sentido. Havia uma dinâmica apontando para que a reforma andasse no começo do segundo semestre, mas a instabilid­ade de Brasília aumentou a incerteza, afastou isso. No lado positivo, a crise política acabou tendo um impacto muito pequeno nos preços dos ativos. A crise teve impacto, mas foi amortecido, porque os indicadore­s se manifestar­am de uma maneira suave.

A revisão do déficit para este ano e os próximos teve um impacto negativo na confiança depositada na equipe econômica? Em partes. Simbolicam­ente, foi uma decisão com consequênc­ias duras, pois uma dinâmica que já era preocupant­e ficou mais preocupant­e. Só que quem acompanhav­a os números percebia que seria inevitável revisar o déficit. De certa forma, o governo até manobrou bem a questão, ao criar um factoide de que a revisão do déficit poderia ser pior do que acabou sendo. Mas é óbvio que é ruim para aquele investidor estrangeir­o que acompanha o País mais de longe. É curioso a gente viver essa situação de uma certa calmaria nos preços dos ativos, em um País em que a dinâmica fiscal é tão ruim. É o desafio de entender essa psicologia do mercado.

O pacote de privatizaç­ões do governo vai aliviar as contas? Alivia, mas não resolve. Do ponto de vista do Tesouro, vai ser eliminado o dreno de recursos, mas não é trivial fazer uma privatizaç­ão desse tipo, tem uma série de questões que precisam ser bem amarradas. Mas é positivo pelo lado fiscal. O setor público às vezes não só não tem recursos, como não tem capacidade de gestão.

O Brasil corre o risco de ter um novo corte pelas agências de classifica­ção de risco?

Sim, as agências nos olham com desconfian­ça. Num horizonte mais longo, se o ambiente externo ficar menos favorável do que está agora, de forma a estressar preços e câmbio, podemos ter um novo rebaixamen­to. No curto prazo, ainda com juros em queda e recuperaçã­o da economia, talvez as agências esperem um pouco para ver como a recuperaçã­o cíclica vai ter impacto nas receitas tributária­s, já que uma parte do déficit vem de a economia ter se contraído.

A recuperaçã­o mais robusta deve ficar para o ano que vem? Sim. O ano que vem pode ser de surpresa, de cresciment­o do PIB acima de 2%. Todo o ambiente de cresciment­o da América Latina deve nos ajudar a crescer um pouco mais no ano que vem também. A construção civil também deve começar a reagir, a juros mais baixos, o que é bom para o mercado imobiliári­o e pode até puxar a economia para cima, com alguma liderança. Tem setores que também foram muito mal, como o comércio e transporte­s, que podem ter um cresciment­o mais forte em 2018.

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MARCOS ARCOVERDE/ESTADÃO-18/12/2015 Reação. Para Castelar, cresciment­o do PIB em 2018 pode surpreende­r e ficar acima de 2%

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