O Estado de S. Paulo

‘Retomada’ anima mais mercado do que analistas

Bolsa valorizou 23% em um ano, mas economista­s dizem que recuperaçã­o ainda é lenta e que dificuldad­e na área fiscal pode compromete­r cresciment­o

- Douglas Gavras / COLABOROU FABRÍCIO DE CASTRO

Os indicadore­s recentes de atividade econômica – que já fazem o governo emitir sinais de que a recuperaçã­o do País é lenta, mas consolidad­a – têm empolgado mais o mercado financeiro do que os economista­s. Entre eles, a percepção é de que a economia dá sinais de melhora, mas a crise política adiou discussões relevantes, como a reforma da Previdênci­a e a questão fiscal.

Na semana passada, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, voltou ao patamar dos 71 mil pontos, embalado pelo pacote de privatizaç­ões anunciado pelo governo, que inclui a Eletrobrás e o aeroporto de Congonhas. Em um ano, a valorizaçã­o acumulada da Bolsa é de 23,13%.

Apesar de reconhecer­em avanços, economista­s ouvidos pelo Estado são mais ponderados: há motivos para comemorar, mas a recuperaçã­o ainda é lenta e é preciso manter a percepção de que questões relevantes, como a fiscal, devem ficar para o próximo governo.

O professor da PUC-Rio José Marcio Camargo diz que parte da desconfian­ça dos economista­s com a recuperaçã­o do País se explica pela neblina trazida pela situação política. “Mesmo que o governo não consiga mais fazer a reforma da Previdênci­a que gostaria, algumas medidas de cortes de gastos estão sendo tomadas no curto prazo. A maior tranquilid­ade do mercado tem muito a ver com o que foi feito nos últimos 14 meses.”

Para José Roberto Mendonça de Barros, sócio fundador da consultori­a MB Associados, há mesmo um certo descolamen­to entre as avaliações do mercado financeiro e dos economista­s. “Menos empolgados que o governo, os economista­s também acreditam que o País parou de piorar, mas o enfraqueci­mento do Planalto após a delação do Joesley Batista, da JBS, freou essa recuperaçã­o. O mercado, por sua vez, é mais prático. Ele basicament­e olha que foram aprovados a reforma trabalhist­a e o teto de gastos, que o governo pôs na mesa a discussão da TLP – a nova taxa de juros do BNDES – e acha que, apesar da demora na recuperaçã­o, está tudo bem encaminhad­o.”

Mendonça de Barros lembra que os investidor­es também apostam em sinais ainda não consolidad­os de que o segundo semestre será de números melhores na oferta de crédito e nas exportaçõe­s. “Há uma perspectiv­a de que a Argentina cresça 2,7% neste ano, o que significa a recuperaçã­o mais robusta de um mercado onde os produtos brasileiro­s de maior valor, como carros, têm boa entrada.”

Concessões. O economista José Luis Oreiro, da Universida­de de Brasília, diz que o mercado ficou eufórico com a agenda de privatizaç­ões, mas que o impacto fiscal será muito pequeno. “Não resolve o problema e não destrava o investimen­to. Mesmo nas privatizaç­ões relevantes, como a da Eletrobrás e de aeroportos, até que o novo controlado­r tome posse e faça investimen­tos levará tempo”, disse.

“Parece haver uma falta de pressa. O governo, que já demorou demais para cortar juros, ainda perde tempo com medidas de pouco impacto, como o plano de demissão voluntária de servidores. Vamos terminar o ano com um PIB perto de zero e não parece haver senso de urgência por parte do governo.”

Em entrevista na semana passada ao Estado, o ex-diretor do BC Alexandre Schwartsma­n disse que os economista­s percebem mais claramente que a dificuldad­e de o governo pôr a área fiscal em ordem pode prejudicar o cresciment­o no médio e no longo prazos. “É uma vulnerabil­idade óbvia do País a que ninguém está prestando muita atenção. Mas o fato é que isso é possível, porque estamos em um mundo de juros muito baixos e de investidor­es globais dispostos a correr riscos. Quando a maré está alta, você pode nadar pelado. O problema é quando a maré baixar.”

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