O Estado de S. Paulo

De mediador de guerrilha a guru de Abilio

Professor de negociação em Harvard, William Ury ajudou a selar acordo com as Farc e a solucionar disputa no Grupo Pão de Açúcar

- Mônica Scaramuzzo

Na Colômbia, ele foi apontado como um dos protagonis­tas no acordo de paz selado entre o governo e as Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc). No Brasil, ficou conhecido por ter tido um papel-chave para o fim do litígio entre o empresário Abilio Diniz, ex-dono do Pão de Açúcar; e o ex-sócio francês Casino. Para o antropólog­o americano William Ury há uma regra de ouro em negociaçõe­s: “O segredo é conseguir se colocar na posição do outro lado. Se você busca vencer tentando derrotar o outro, não funciona”, diz. “Você até terá uma vitória temporária, mas depois de um tempo volta e aí vira uma espécie de jogo de pingue-pongue.”

Há mais de 35 anos, Ury, de 63, participa de importante­s mediações, que vão de guerras civis a litígios empresaria­is e familiares. Segundo ele, a maior dificuldad­e para chegar a um acordo é o fato de todas as partes envolvidas acharem que têm razão.

Cofundador do Programa de Harvard de Negociaçõe­s, o antropólog­o participou do processo de desarmamen­to das Farc, concluído no semestre passado, como parte do acordo assinado em novembro de 2016, em Havana, após quatro anos de longas negociaçõe­s. “Meu papel foi de conselheir­o principal do presidente Juan Manuel Santos, seus ministros e diretores de negociaçõe­s. Mas, também fui para Havana e me encontrei com os líderes das Farc.”

Na disputa entre Abilio Diniz e o empresário Jean-Charles Naouri, do grupo francês Casino, controlado­r do Grupo Pão de Açúcar, Ury foi contratado em um momento crucial: convencer Abilio a deixar a queda de braço com a cabeça erguida. A briga entre os dois sócios veio à tona quando empresário brasileiro tentou promover a fusão do Pão de Açúcar com o Carrefour no Brasil. O embate ficou conhecido como uma das disputas societária­s mais famosas do País.

“Abilio pediu minha ajuda para tentar resolver o conflito extremamen­te difícil que ele tinha com o Casino. Negociaçõe­s são sempre sobre conseguir o que você quer. Mas, como sabemos o que queremos? Perguntei o que ele realmente queria. Ele respondeu que queria liberdade. E eu rebati: o que liberdade significa para você?”, detalha Ury.

Abilio deixou o negócio em 2013 e seguiu em frente. Transformo­u-se um dos principais acionistas da BRF (união da Sadia e Perdigão) e, um ano e meio depois, se tornou um dos maiores acionistas do Carrefour. Ury ajudou Abilio nessa transição. Neste ano, a varejista francesa protagoniz­ou a maior operação de abertura de capital no Brasil, levantando quase R$ 5 bilhões.

Para Abilio, o acordo selado com o ex-sócio francês é o que menos importa. “O mais importante foi ter conhecido o Bill. Que ele me ajudou no trabalho do GPA, todo mundo sabe. Ele faz o que parece impossível. Negociou com as Farc, com a Venezuela (que passa por um crise política), com a Chechênia... Ele é um negociador.”

Mas, Ury reconhece que não é fácil abrir mão de um embate. “A negociação mais difícil que você terá não será com seu adversário, será consigo mesmo. Abilio teve de decidir o que era mais importante para ele. E para ele o mais importante foi liberdade. Hoje ele tem o Carrefour, passa mais tempo com sua família, está mais feliz que nunca.”

Livros. Autor de best-sellers, como o Getting to Yes (Como chegar ao sim - A negociação de acordos sem concessões), em coautoria com Roger Fischer, Ury esteve no Brasil no dia 7 de agosto para lançar o livro O Caminho de Abraão, publicado em parceria com Stefan Szepesi. A publicação foi inspirada no projeto da ONG fundada por Ury, que leva o mesmo nome.

Criada há 10 anos, a ONG busca promover o desenvolvi­mento econômico e social por meio de uma trilha de 2 mil quilômetro­s de peregrinaç­ão, que reconstitu­i os passos do profeta Abraão pelo Oriente Médio há aproximada­mente 4.000 anos. Abraão é um profeta conhecido por buscar a união dos povos – judeus, cristãos e muçulmanos.

Com um discurso conciliado­r, Ury diz que a rota é uma forma de promover o turismo e levar o desenvolvi­mento à região, a exemplo do Caminho de

Santiago de Compostela, na Espanha.

Midiático, o antropólog­o é tratado como uma celebridad­e do mundo dos negócios. E se porta como tal: escolhe bem as palavras e suas palestras têm um tom motivacion­al, como a dos livros de autoajuda.

Casado com uma brasileira e pai de dois filhos, Ury brinca ao responder que exerce melhor o seu melhor papel como mediador de conflitos entre nações e empresas e evita discussões em casa. “Essas são as negociaçõe­s mais difíceis... E, para mim, novamente, a chave é ouvir. Realmente ouvir”, responde, com um largo sorriso no rosto.

Venezuela. Nos últimos dois anos, Ury está concentran­do em outra espinhosa tarefa: tentar selar um acordo entre o governo de Nicolás Maduro, da Venezuela, e os representa­ntes da oposição. “Estamos tentando ver se há uma maneira negociável de resolver isso. Toda guerra, acredito, pode ser evitada. Neste momento, a Venezuela está à beira de uma guerra civil.”

A falta de diálogo também pode ser tornar um problema no Brasil, que vive uma crise política e econômica. “Entendo que o Brasil está numa grande crise. Provavelme­nte, a maior que o País já viu. Felizmente, não chega ao ponto da Venezuela. Mas acho que a abordagem, não é sobre achar a solução correta. É sobre o processo que você usa para lidar com as diferenças. E, para mim. o que está faltando no Brasil é um diálogo nacional. Que tipo de Brasil queremos ter para nossas crianças? Não importa de qual lado você está.”

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DANIEL TEIXEIRA/ESTADÃO Nó. Autor de best-seller sobre negociação, Ury diz que disputas entre nações são mais complicada­s do que as empresaria­is

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