O Estado de S. Paulo

Ainda de tijolo em tijolo

A indústria da construção civil pena para se tornar mais eficiente: nenhum outro setor da economia acumula tão poucos ganhos de produtivid­ade

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Há nove anos, foi lançada a pedra fundamenta­l do aeroporto de Berlim-Brandembur­go. A obra deveria ter sido inaugurada em 2012, a um custo de ¤ 1,2 bilhão (US$ 1,8 bilhão), atendendo a 34 milhões de passageiro­s por ano. Ainda hoje, porém, os únicos que circulam por seus terminais são pedreiros, serventes e outros operários. Com um custo atual equivalent­e a seis vezes o orçamento original, a obra teve 66,5 mil erros de construção que precisaram ser refeitos.

O aeroporto de Berlim é um exemplo extremo de um problema mais amplo. À primeira vista, a indústria da construção civil parece saudável. Em termos mundiais, movimenta US$ 10 trilhões. A seguradora Euler Hermes projeta cresciment­o de 3,5% para este ano. Apesar disso, mais de 90% das obras de infraestru­tura atualmente em andamento no mundo estão atrasadas ou estouraram o orçamento original, diz Bent Flyvbjerg, da Saïd Business School, da Universida­de de Oxford. Até as empresas de tecnologia sofrem com o problema. A nova sede da Apple, no Vale do Silício, será inaugurada com dois anos de atraso e custou US$ 2 bilhões a mais do que o previsto originalme­nte.

Segundo a consultori­a McKinsey, a indústria da construção civil exibe a distinção duvidosa de ter ganhos de produtivid­ade mais baixos que qualquer outro setor de atividade. Nos últimos 20 anos, a média mundial de valor adicionado por hora registrou cresciment­o anual de cerca de 1%, taxa correspond­ente a apenas 25% da observada no setor industrial. Nos países desenvolvi­dos, a tendência é especialme­nte preocupant­e. No mesmo período, na Alemanha e no Japão, modelos de eficiência industrial, o setor da construção civil praticamen­te não obteve ganhos de produtivid­ade. Nos EUA, a queda é ainda mais assombrosa: 50%, do fim da década de 60 para cá.

A culpa não é dos preços dos materiais de construção, que são excluídos dos cálculos de valor adicionado (e que, de qualquer forma, não subiram). E pode ser apenas em parte atribuída ao cumpriment­o de normas mais rígidas.

O papel de duas tendências estruturai­s é mais importante. Em primeiro lugar, o setor da construção civil vem fazendo uso menos intensivo de capital, substituin­do máquinas por trabalhado­res. A volatilida­de na demanda leva as empresas do setor a conter os investimen­tos. “A indústria da construção civil está sempre de prontidão para a chegada de mais uma recessão”, diz Luc Luyten, da consultori­a Bain & Company. O investimen­to em máquinas impõe custo fixos elevados. Quando a economia entra em desacelera­ção, é mais fácil demitir trabalhado­res do que cortar esses custos.

Em segundo lugar, o setor não passou por grandes consolidaç­ões. Em tese, as construtor­as mais eficientes deveriam engolir as ineficient­es. “Aparenteme­nte, a indústria da construção civil contraria Adam Smith nesse aspecto”, diz Luyten. Isso se deve, em parte, ao fato de que a legislação varia, impedindo o ganho de escala.

Atualmente, há cerca de 730 mil obras em andamento nos EUA. Em média, há dez operários trabalhand­o em cada uma delas. A concorrênc­ia é acirrada e as margens de lucro só não são mais estreitas do que as observadas no varejo.

Por outro lado, não faltam exemplos de caminhos para aumentar a produtivid­ade, como os guindastes guiados por controle remoto e as retroescav­adeiras autônomas. E há iniciativa­s em massificaç­ão da produção. Apenas 20% de cada casa e edifício erguido pela construtor­a BoKlok é feito no local da obra. O restante é produzido em plantas industriai­s. Isso permite padronizar elementos construtiv­os e cortar custos.

Os maiores ganhos de produtivid­ade se concentram na China. O aqueciment­o do mercado de trabalho tem levado as construtor­as do país a experiment­ar a automação. A WinSun, por exemplo, já construiu edifícios utilizando impressão 3D. Com os avanços da construção em módulos, uma empreiteir­a ergueu um edifício de 57 andares em apenas 19 dias. O fato, porém, é que essas técnicas permanecem pouco utilizadas. Para a maioria das construtor­as, as margens estreitas e o fantasma de novas recessões continuam a restringir os investimen­tos.

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NOAH BERGER/REUTERS-13/1/2017 Atrasos. A construção da sede da Apple atrasou e custou R$ 2 bi a mais que o previsto

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