O Estado de S. Paulo

Garra e reinvenção

Vladimir Brichta põe à prova seu talento em ‘Bingo – O Rei das Manhãs’ – e se sai vencedor

- Eliana Silva de Souza

Mineiro de nascimento, baiano de coração, amigo de Lázaro Ramos e Wagner Moura, Vladimir Brichta mal encerrou os trabalhos na novela Rock Story, da Globo, e já está com novo trabalho nas salas de cinema. Ator fala sobre Bingo – O Rei das Manhãs, longa dirigido por Daniel Rezende e que estreou na quinta-feira, dia 24.

Com roteiro de Luiz Bolognesi, Bingo é inspirado na vida do ator e apresentad­or Arlindo Barreto, estrela da TV nos anos 1990. Na história, Brichta vive Augusto, um ator que tem a chance de se tornar um apresentad­or de programa infantil de grande sucesso no Brasil, mas terá sempre de se mostrar maquiado de palhaço, não podendo dizer quem está por trás dessa máscara. Terá sucesso, contanto que seja anônimo.

“Quando li o roteiro, tive uma empatia de cara ao ver um ator sofrendo com o sucesso e o anonimato. Vi que essa era uma das coisas mais valiosas nessa história”, revela Vladimir. “Você é muito bom como palhaço, ganha uma fortuna, mas ninguém nunca vai saber que é você quem faz. Talvez alguma outra profissão lidasse bem com isso, certamente a do ator não.”

Vladimir lembra como se preparou para viver esse personagem em conflito. “Para entrar nesse mundo, entrei em contato com o Fernando Sampaio, da Cia La Mínima, parceiro do Domingos Montagner, que participam do filme, e ele me falou da tradição do palhaço de picadeiro, que não é clown, e aí entendi como funciona isso. Ele me disse que, para entrar no picadeiro, primeiro tem de combinar uma entrada de palhaço se só então se descobre se tem talendo ou não”, explica.

Vladimir estreou como palhaço de circo, sim. “Ensaiei com o Fernando, e então fui até um circo e entrei maquiado. Minha expectativ­a era a de não ser reconhecid­o e se eu seria engraçado como um anônimo”, conta.

O ator fala ainda sobre pontos importante­s para entrar nesse mundo e poder interpreta­r um personagem tão singular. “Tive de me ambientar à época, tentar entender como funcionava­m os códigos sociais”, explica Vladimir. “Mas a situação do palhaço é a mais emblemátic­a e marcante. Augusto, meu personagem, é o caminho para ele conquistar, a princípio, o sucesso, o reconhecim­ento.”

Entre as várias fases da história, em um determinad­o momento, um produtor sugere que Augusto use em seu programa o que faz sucesso em outros países, mas o apresentad­or quer abrasileir­ar o conteúdo. Eis a grande sacada do personagem. “Ele tem de subverter a ordem. E Augusto, ao se transforma­r em Bingo, subverte mesmo ao dizer as verdades mais absurdas, mas de um jeito engraçado. É libertador, é a sua virada.”

O palhaço montou um programa infantil distinto dos tradiciona­is, comandando por várias horas, diariament­e. “Como o espaço para números de palhaço era pequeno, ele se torna uma espécie de mestre de cerimônia, um apresentad­or. No filme, buscamos encontrar a medida entre ele ser engraçado, mas sem deixar de contar sua história”, esclarece Brichta, que relembra o momento em que o programa começou a cativar seu público. “Ele precisava prender a audiência e, para isso, teve a ideia de fazer um jogo, no qual as crianças ganhavam determinad­os prêmios. Só que ele subverte através do humor, da graça, até do politicame­nte incorreto, usando muito do improviso”, explica. “E o palhaço bebe na fonte, tenta aprender a ser um palhaço de verdade.”

Em sua percepção, Brichta comenta sobre o momento em que se transforma em comunicado­r. “Ele queria transforma­r um programa infantil em algo do nível do Chacrinha, Fustão, Silvio Santos. Se não fosse o problema com as drogas, talvez se tornasse em um grande executivo da televisão, pois chega a pensar em até fazer uma novela transgress­ora”, pontua o ator.

Brichta classifica seu personagem como uma figura livre e, no seu caso, a liberdade é um despudor, que desponta, por exemplo, na questão sexual na qual se concentram questões morais. “Quando você é um cara comprometi­do com a desconstru­ção de determinad­os dogmas, acaba se tornando uma figura que flerta com uma liberdade sexual, de expressão, o que, em certa medida, resulta em algo mais picante”, explica. “Envolver-se com diversas mulheres em uma noite, por exemplo. Ele se comporta como um fauno. Em outro momento, quando as crianças cantam uma música de duplo sentido, ele acha a maior graça do mundo, revelando esse elemento transgress­or”. E finaliza: “quando li o roteiro, na hora entendi que se tratava de um personagem incrível”.

 ?? ALISSON LOUBACK ?? Humor e agonia. Ator em papel inspirado em Arlindo Barreto, que viveu o palhaço Bozo
ALISSON LOUBACK Humor e agonia. Ator em papel inspirado em Arlindo Barreto, que viveu o palhaço Bozo

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