O Estado de S. Paulo

FUTURO DA DEMOCRACIA EM DEBATE

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A travessia até as eleições de 2018 será árdua e não se sabe até que ponto o atual governo implantará seu projeto. Mas a vantagem do presidente Michel Temer é que a oposição está enfraqueci­da. A análise é do filósofo e professor emérito da USP José Arthur Giannotti, 87. “A crise da esquerda é profunda”, afirmou Giannotti, em entrevista ao Aliás.

No momento em que os partidos estão em xeque, Giannotti lança novo livro que dialoga com autores clássicos e discute política a fundo. Os Limites da Política – Uma Divergênci­a é, sobretudo, um debate em que Giannotti dá espaço ao também filósofo Luiz Damon Moutinho. Trata-se de uma versão revisitada e ampliada de sua obra anterior,

A Política no Limite do Pensar (Cia. das Letras). Abaixo, os principais trechos da entrevista do filósofo.

• Qual é o lugar da política neste momento em que predomina o discurso da apolítica? A política está em todos os lugares. O problema todo está em como lidamos ou fugimos dela.

• Há saída para a crise política a curto prazo? Não há. A crise é muito séria porque ela começa com uma crise de representa­ção e depois ela se transforma em uma crise de Estado. Isto é, lembremos uma velha definição de Estado, a instituiçã­o que tem o monopólio da violência. Hoje nós já não temos o monopólio da violência. O narcotráfi­co, por exemplo, se expande, se internacio­naliza, começa a organizar a produção, e então temos paralelos que se cruzam diante daquilo que seria o Estado nacional.

• A Câmara barrou uma denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer, mas provavelme­nte teremos um governo sob investigaç­ão. O que isso significa? Estamos com um Estado cujas decisões estão cada vez mais enfraqueci­das e vamos ter justamente uma ‘pinguela’, como disse Fernando Henrique. Temos que chegar até a margem nadando. Não se sabe até que ponto o governo Temer vai poder realizar seu projeto. Nas condições antigas, já teríamos uma intervençã­o militar, mas felizmente isso não está acontecend­o.

• Nessas condições um governo tem força para sobreviver até 2018? A grande vantagem do governo Temer é que a oposição está em crise. A crise da esquerda é profunda. Ela não tem como apresentar um projeto pela simples razão que a esquerda, ao se tornar populista, deixou de considerar como a “Corremos o risco de ter esquerdist­as falantes e mais nada” riqueza é produzida e entra em crise sistematic­amente. Pelo menos sabemos que, quando a crise financeira não é resolvida pela esquerda, ela vai ser resolvida na direita. E tudo tende a uma solução da nossa crise pela direita.

O senhor fala em uma crise profunda da esquerda. No caso brasileiro, uma eventual candidatur­a de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado na Lava Jato, atrapalha ou ajuda a esquerda? Atrapalha, porque impede a esquerda de tomar consciênci­a de suas tarefas atuais, de enfrentar o capitalism­o tal como ele é não tal como ele foi pensado no século 19. Não adianta nada ter um racha no PT e ter o PSOL, porque aí você tem esquerdist­as falantes e mais nada.

Como se explica esse cresciment­o de candidatur­as como a do deputado Jair Bolsonaro com um discurso mais radical?

Não sabemos ao certo o que está acontecend­o. Na dissolução dos partidos, vão aparecer pessoas isoladas que furam os partidos. Não podemos esquecer que a primeira vitória do Trump foi contra os republican­os. Quem vai aparecer não vai ser um filhote qualquer de um partido. Vai ser alguém que atravesse os partidos. Quando você não tem uma política que se expõe, a reação das pessoas também é confusa. O quadro é negro.

Como senhor vê partidos que buscam nomes fora da política?

Não adianta aparecerem novas figuras se elas não apresentar­em diretrizes para que sejam resolvidas a crise de Estado e de representa­ção. Se o Brasil ainda for seduzido por palavras ocas, ele se tornará um País inteiramen­te oco. O grande problema nosso é que isso pode acontecer. Nossa situação é muito dramática. As instituiçõ­es estão funcionand­o, nós podemos sair da crise econômica, mas não sairemos do século 19. Não teremos um capitalism­o realmente competitiv­o.

A adoção do parlamenta­rismo no Brasil pode ser uma solução?

Parlamenta­rismo ou não, o que importa é como vão funcionar os partidos e como os partidos vão encontrar suas identidade­s. Depois se for parlamenta­rismo ou não, vai depender dessa identidade partidária. Insisto: enquanto não tivermos uma esquerda renovada, não teremos uma direita renovada. Temos simplesmen­te uma renovação de esquerda que eu diria geriátrica.

Como o senhor avalia o movimento de partidos que tentam obstruir ou dificultar investigaç­ões da Lava Jato para salvar a classe política?

A Lava Jato nasceu de um pequeno processo de denúncia e de repente a denúncia se mostrou contra os maiores próceres do Estado brasileiro. Obviamente era previsto que a classe política iria reagir. A vantagem do grupo da Lava Jato, apesar das suas loucuras, é que teve uma ação política inicial. Em vez de fazer como a operação ‘Mãos Limpas’ na Itália, que metralhou todo o sistema político (ao mesmo tempo), (a Lava Jato) foi metralhand­o aqueles que estavam no Governo e ampliando. Chegou um momento que toda a classe política está contra a Lava Jato. Então é um momento decisivo dessa luta. Não sei quem vence, espero que seja o pessoal da Lava Jato.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO Giannotti:

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