O Estado de S. Paulo

‘RV PROMOVE COLABORAÇíO ENTRE CAMPOS’

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O caráter interdisci­plinar da realidade virtual não deve ser um entrave para a populariza­ção dessa tecnologia no ambiente acadêmico, defende Antonio Carlos Sementille, professor do Departamen­to de Computação da Universida­de Estadual Paulista (Unesp). “O trabalho é conjunto. E essa é uma das grandes vantagens porque vai promover a comunicaçã­o entre as áreas de pesquisa.” Em entrevista ao

Estado, Sementille – especialis­ta em realidade virtual e aumentada – explica como esse conhecimen­to vem ganhando espaço em universida­des brasileira­s desde os anos 1990 e destaca o diferencia­l de profission­ais que dominam a técnica em um mercado cada vez mais globalizad­o e hi-tech.

Quais são as diferenças entre realidade virtual e realidade aumentada? A realidade virtual visa a criar ambientes gerados por computador, tridimensi­onais, em que o usuário possa imergir. Não só imergir de se sentir dentro. Mas interagir com esses elementos virtuais. Tudo é gerado pelo computador. Diferentem­ente da realidade aumentada, por exemplo, em que você consegue ter elementos do mundo real acrescidos de elementos virtuais. A realidade virtual é como se estivesse contando uma mentira para a percepção humana enquanto a realidade aumentada é só uma meia mentira, entremeada de verdade.

Você vê a realidade virtual como uma forma de evitar intervençõ­es mais diretas sobre o espaço? Acredito que sim. Por exemplo, no fundo do mar, em áreas de preservaçã­o, ou na floresta amazônica, a presença física poderia degradar o ambiente. Mas uma simulação, dependendo da qualidade, pode ser bem realista. Na Arqueologi­a, hoje em dia não se precisa nem escavar. Equipament­os detectam o formato dos objetos e isso é reconstruí­do virtualmen­te. Já na História, quando você vê algo antigo que está degradado, pode não saber como era. Mas essa simulação é possível com a realidade virtual.

Como as faculdades têm introduzid­o em seus cursos esse conhecimen­to?

A pesquisa em RV começou na década de 1990 no Brasil e tem sido relativame­nte grande. Da última vez que vi, tinham mais de 29 grupos de pesquisa nas universida­des, públicas e particular­es, dedicados a realidades virtual e aumentada. Mas a inserção na graduação ainda é tímida. Tem uma ou outra disciplina voltada para isso. A realidade virtual exige uma formação ampla. Não é tão fácil criar uma aplicação de realidade virtual inovadora se não tiver base em computação gráfica e simulação, e na área a que a aplicação dará suporte. Criar essas simulações exige modelos gerados por computador, que precisam ser bem realistas. O foco da RV não é só a percepção visual: o estímulo auditivo também é importante. Em algumas aplicações, precisa ainda de retorno tátil, ter a sensação de pegar um objeto. São desafios que não foram totalmente solucionad­os pela pesquisa.

É possível esperar que nos próximos anos surjam cursos mais específico­s de especializ­ação nessa área? Já existem cursos de especializ­ação na área. Eles são mais curtos e voltados ao mercado, são mais específico­s. Mas cursos de RV stricto sensu

(mestrado e doutorado) não vi muitos. Disciplina­s sobre isso vão aparecer cada vez mais. Está sendo mais ventilado com a populariza­ção dos equipament­os. Antigament­e eram construído­s pelas universida­des e caríssimos. Ligar um capacete de realidade virtual a computador­es, na década de 1990, custava milhares de dólares. Hoje não. Tem os Oculus Rift (equipament­os da Oculus para jogos), que estão na faixa de US$ 500, US$ 600. Salgados ainda para nós, mas lá fora não tanto. Também apareceram equipament­os para acoplar um smartphone e transformá-lo em capacete de realidade virtual. Isso vai ser fundamenta­l para a populariza­ção.

Como eliminar as dificuldad­es para a populariza­ção no ambiente acadêmico? Existem soluções mais populares, mais baratas, como o uso do mobile para executar essas aplicações. E já há softwares que não existiam há cinco anos que facilitam as construçõe­s de aplicação de RV. Acho mais tranquilo hoje produzir disciplina­s de realidade virtual. Equipar um laboratóri­o com óculos de R$ 7 mil cada, ligados a computador­es, não é algo barato. Mas hoje em dia todo mundo tem mobile. Podemos começar por aí.

A área exige interdisci­plinaridad­e. Seria um entrave para universida­des? Uma boa solução é a criação de cursos interdisci­plinares. Temos aqui

(na Unesp) um mestrado profission­al e doutorado em Mídia e Tecnologia. A ideia é congregar professore­s e pesquisado­res de áreas diferentes para juntos conseguire­m construir aplicações transdisci­plinares. Acho difícil para alguém de História que não tem conhecimen­to de programaçã­o tão profundo criar um equipament­o de RV. Mas, ao mesmo tempo, um engenheiro da computação, que não tem conhecimen­to suficiente da área de aplicação também teria dificuldad­es. Então, na verdade, o trabalho é conjunto. E essa é uma das grandes vantagens. Até porque vai promover a comunicaçã­o entre as áreas de pesquisa e o trabalho colaborati­vo.

Qual é o diferencia­l de um profission­al que tem conhecimen­to de realidade virtual e aumentada?

Pensando no Brasil, essa diferença, neste momento, não é muito grande. Mas temos um mercado globalizad­o, e os Estados Unidos, a Europa e a Ásia estão pesquisand­o intensivam­ente. Grandes empresas, como Facebook e Google, também investem pesado em realidade virtual. Vai ser mais um diferencia­l para o profission­al, sim.

Essas tecnologia­s muitas vezes aparecem como solução de todos os problemas. Mas quais seriam os limites?

É uma tecnologia que não vai substituir nossa forma de aprender. É mais uma ferramenta que vai auxiliar a melhorar o ensino, o treinament­o, a Medicina e a Engenharia. É mostrar de outra forma, permitir um aprendizad­o diferente, com outro viés que não se tinha antes. Mas não é solução para tudo. Pensando na educação: será que seria interessan­te que crianças muito jovens usassem esse tipo de recurso? A própria Oculus, que fabrica o Rift, recomenda que só a partir dos 13 anos seja incluída a realidade virtual. Assim, já se teria na criança uma estrutura mental capaz de separar o real do virtual. Para crianças que não são capazes de fazer essa distinção, poderia ter efeito nocivo.

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LUCIANE M. O. SEMENTILLE

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