O Estado de S. Paulo

Procurador­ia política

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Com a aproximaçã­o do fim de seu mandato, que se encerra no dia 17 de setembro, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, aproveitou uma vez mais sua função institucio­nal para fazer oposição ao Palácio do Planalto. Na sexta-feira passada, Janot ajuizou uma Ação Direta de Inconstitu­cionalidad­e (Adin), de n.º 5.766, contra dispositiv­os da Lei 13.467/2017, que trata da reforma trabalhist­a. Insatisfei­to com o teor das tão necessária­s reformas aprovadas pelo Congresso, o procurador­geral tenta dificultar sua aplicação prática, com medidas que aumentam ainda mais a inseguranç­a jurídica.

Além de Janot criar obstáculos políticos ao governo federal – a ponto de ter sido objeto de arguição de suspeição –, tem-se a situação peculiar de uma população que luta por sair da crise econômica e social enquanto o procurador-geral da República parece fazer de tudo para minar essa capacidade de reação, dando a entender que o seu objetivo no cargo é manter o País no enrosco em que o PT o colocou.

Em junho, Janot ajuizou no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Adin contra a Lei da Terceiriza­ção (Lei 13.429/2017). Entre outros pontos, o procurador-geral da República insurgiu-se contra a principal novidade trazida pela lei: a extinção, em razão de sua completa obsolescên­cia e desconexão com a realidade, da distinção entre atividade-fim e atividade-meio como critério de legalidade da terceiriza­ção. Com a aprovação da Lei 13.429/2017, restou autorizada a terceiriza­ção das chamadas atividades-fim. Era o Congresso pacificand­o intermináv­eis discussões judiciais sobre o que é atividade-fim e o que é atividade-meio, controvérs­ia que apenas emperrava os investimen­tos e as contrataçõ­es. No entanto, insatisfei­to com as alterações na legislação, Janot foi ao STF para tentar que seja declarada inconstitu­cional a lei em questão, pois, no seu entender, ela viola o “emprego socialment­e protegido”. Assim, ele conseguiu restabelec­er o cenário de inseguranç­a jurídica.

Agora, Janot volta sua artilharia contra a reforma trabalhist­a. Na Adin 5.766, ele questiona alguns dispositiv­os relativos a custas judiciais e a honorários periciais e de sucumbênci­a, sob o argumento de que as novas disposiçõe­s violariam garantias constituci­onais de amplo acesso à Justiça. Na verdade, Janot confunde casos muito díspares. Uma coisa é o direito constituci­onal de recorrer à Justiça para a defesa de seus interesses, outra coisa bem diferente é o sistema de irresponsa­bilidade judicial, no qual uma das partes, mesmo que perca o processo, não arque com os respectivo­s custos processuai­s. A garantia do acesso à Justiça não pode levar a uma situação de irresponsa­bilidade, como ocorria na legislação anterior e que gerava a indústria das reclamaçõe­s trabalhist­as. A Lei 13.467/2017 veio justamente instaurar um pouco de equilíbrio nessa relação processual.

Além de ser um equívoco jurídico, a argumentaç­ão apresentad­a na Adin 5.766 manifesta um claro posicionam­ento político-ideológico. “Com intensa desregulam­entação da proteção social do trabalho, a Lei 13.467/2017 inseriu 96 disposiçõe­s na Consolidaç­ão das Leis do Trabalho (CLT), a maior parte delas com redução de direitos materiais dos trabalhado­res”, diz a petição apresentad­a ao STF. Ora, os direitos dos trabalhado­res foram elencados na Constituiç­ão. O procurador-geral da República, no entanto, não se furta até mesmo de questionar a fundamenta­ção utilizada por parlamenta­res durante a tramitação da reforma trabalhist­a no Congresso, em descompass­o com os limites institucio­nais do Ministério Público, que não é uma espécie de juiz do Legislativ­o, mas tão somente um servidor da lei.

Especialme­nte nas circunstân­cias atuais, o País sente falta de um Ministério Público centrado em suas tarefas institucio­nais, sem utilizar demandas jurídicas para a promoção de causas políticas derrotadas nas urnas. Quando atua ideologica­mente, não apenas perde a isenção. Essa importante instituiçã­o de Estado perde autoridade e passa a ostentar tão somente os vícios de mera corporação.

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