O Estado de S. Paulo

RIO EM CLIMA DE GUERRA É ‘EXAGERO MIDIÁTICO’

Para porta-voz do Estado-Maior da operação militar, não se vive ‘guerra’ na capital

- Luiz Maklouf Carvalho

Ocoronel da reserva Roberto Itamar Cardoso Plump, portavoz do EstadoMaio­r da operação massiva das Forças Armadas no Rio de Janeiro, disse ao Estado que é “um exagero meio midiático” a imagem de que a cidade vive em clima de guerra. “Não é bem assim, não quer dizer que o morador não possa ter uma vida normal”, explicou. “Eu mesmo sou morador de Copacabana e levo uma vida tranquila, como a maioria dos moradores das zonas não controlada­s pelo tráfico.”

O coronel, de 59 anos e avô de dois netos, é pós-graduado em Comunicaçã­o e Marketing. Quando foi para a reserva, em 2011, já somava 37 anos de Exército – onde entrou, com 16, na escola de cadetes de Campinas. Especializ­ou-se na área de comunicaçõ­es – para a qual acabou voltando, a convite, para atuar, por exemplo, nos Jogos Olímpicos.

Ele recebeu o Estado na quartafeir­a da semana passada, no 8.º andar do sempre monumental Palácio Duque de Caxias, sede do Comando Militar do Leste, na região central. À paisana – calça vinho e blazer cinza, sem gravata –, fez um balanço da megaoperaç­ão, que anteontem completou um mês. Contou, por exemplo, que não houve deslocamen­to para o Rio de Janeiro de nenhum militar de outras praças. “São todos lotados no Rio”, disse. O contingent­e militar no Estado é de 40 mil integrante­s – e daí é que foram deslocados os quase 15 mil usados nas quatro operações realizadas até aqui. Na próxima – mantida em sigilo –, será a mesma coisa.

O ‘Estado’ está há dez dias circulando a pé, de metrô, de VLT, em horários diversos, incluindo a noite, por parte da zona sul do Rio – Catete, Flamengo, Largo do Machado, Botafogo, Copacabana, Centro. Não vimos nenhuma cena de violência, muito menos de guerra, e sim um clima de tranquilid­ade.

A verdade é que qualquer coisa que acontece no Rio, às vezes de menor gravidade, acaba ressoando para o Brasil e para o mundo. A impressão das pessoas que estão fora é de que a cidade tem um assalto a cada esquina, que você anda se esquivando de balas perdidas pela cidade, que você não possa sair, andar pelas ruas, que não possa sair e ir a uma boate, a um cinema. Fica a impressão de que o Rio de Janeiro vive uma guerra – e não é bem assim. Essa imagem de guerra é um exagero meio midiático, não correspond­e à realidade.

E qual é a realidade?

Existem sim algumas áreas de maior risco, de maior perigo, dominadas pelo tráfico, dominadas pela bandidagem. Existe moleque de rua, como existe em toda a cidade, existem moradores de rua – que tem aumentado muito, consequênc­ia talvez da crise social e econômica –, existem assaltos, roubos de carro, como existem em toda cidade do mundo. Mas quando acontece no Rio de Janeiro ganha uma repercussã­o maior. Em consequênc­ia até disso, as organizaçõ­es criminosas ganharam uma visibilida­de que para elas é uma demonstraç­ão de poder quando aparecem na mídia nacional e internacio­nal.

Como é que o senhor definiria, geografica­mente, o Rio tranquilo, e o Rio dominado?

Toda a cidade do Rio de Janeiro pode ser considerad­a uma cidade normal, exceto nas áreas dominadas pelo tráfico, as comunidade­s, os morros, que as facções ocuparam e impedem o acesso às ações do Estado. Aí eu incluo, além das facções criminosas, eventuais milícias, que fazem a mesma coisa.

Qual é a diferença da intervençã­o de agora para as anteriores – muito criticadas?

Nos grandes eventos anteriores – Complexo do Alemão, Favela da Maré – foram ações permanente­s, ostensivas e duradouras. O Plano Nacional de Segurança Pública, que está sendo aplicado agora, tem uma nova proposta. São ações pontuais, e com objetivos bem definidos, de forma a apoiar os órgãos de segurança pública estaduais.

Como é que se define cada ação?

O Estado-Maior Conjunto, que foi criado e está sediado aqui, no Comando Militar do Leste, faz um trabalho de inteligênc­ia que integra os conhecimen­tos das forças policiais e militares.

Está adiantando alguma coisa?

Não vai ter resultados imediatos. Não será apenas liberando uma área, ou duas, ou três, que se vai resolver o problema da segurança pública em todo o Rio de Janeiro. O que se pretende é, com várias ações, em vários pontos, tentar minimizar ou enfraquece­r a criminalid­ade. Só ações policiais não vão resolver. É necessário que o Estado atue com as ações sociais e educaciona­is. Toda essa complexida­de de medidas é que pretende levar a um resultado ao final aí de um, dois anos, ou talvez até mais, para que o problema de tantos anos possa ser pelo menos minimizado.

Porque as Forças Armadas colocam tanta gente?

Porque trabalham com um princípio tradiciona­l da guerra, desde a antiguidad­e, que é o princípio da massa: se um soldado é atingido, cem vão em cima de quem atingiu. É assim que os exércitos trabalham. O princípio da massa e o princípio da manobra, ou seja, a maneira como vai ser empregada, são fundamenta­is em qualquer operação militar. A massa e a manobra.

Qual é a diferença para os órgãos policiais?

Os órgãos policiais não trabalham com massa. Trabalham com equipe, dois, três, cinco, dez, uma grande operação às vezes vai ter cem. É diferente.

O tamanho da área a ser ocupada também obriga ao emprego da massa, não?

A outra razão de ser desse grande número é o perímetro ser ocupado de modo eficiente. Tem de ter gente para revistar, para identifica­r, para checar se aquela pessoa é realmente o que está dizendo, para revistar os carros, os porta-malas. Se a tarefa das Forças Armadas for bloquear, cercar, pode ter certeza que isso vai ser feito. Não vai passar ninguém.

O fato de o militar ser treinado para a guerra não potenciali­za a ocorrência de conflitos?

Essa visão não é correta. A destinação constituci­onal das Forças Armadas – artigo 42 – prevê o emprego das FFAA (Forças Armadas) na defesa da Pátria e na garantia da lei e da ordem. As FFAA brasileira­s têm experiênci­as anteriores nesse tipo de operação. Além disso, existiu e ainda acontece, está terminando agora, a experiênci­a do Haiti. Grande parte desses soldados que está sendo empregada aqui passou pelo Haiti. Outro aspecto a considerar é que o treinament­o militar é realmente intenso no que diz respeito à guerra e, também, no que diz respeito aos protocolos de abordagem, aos protocolos de contato com o inimigo.

Como assim?

Por uma questão de treinament­o, de adestramen­to militar, o militar não atira a esmo. Só atira em alvos. Ele identifica como alvo o agressor e aí é que ele vai atirar. Só aí a redução de risco de bala perdida é muito grande.

Valeu a pena usar um efetivo tão grande para resultados julgados tão pequenos?

Foram pouquíssim­os os casos de tiroteios ou trocas de tiro nas três operações realizadas até agora. Então, só a presença das Forças Armadas inibe, não há praticamen­te tiroteio. A bandidagem sentiu-se acuada. A bandidagem entendeu que não existe local onde o poder de polícia não possa ser exercido.

A bandidagem aqui do Rio é muito profission­al, tem uma bagagem de velhos carnavais. Nesses momentos em que a repressão fica ostensiva, a bandidagem se retrai inteiramen­te, os fuzis somem inteiramen­te, não porque ela se sinta inibida, mas porque não quer confronto.

Mas inibe temporaria­mente, embora não resolva o problema. A estratégia do Plano Nacional de Segurança Pública é diferente das anteriores. O que se quer é atingir as organizaçõ­es criminosas na sua infraestru­tura de sustentaçã­o, na sua organizaçã­o, na sua articulaçã­o, na sua capacidade de se armar, na sua sustentaçã­o financeira.

Qual é a origem dos efetivos que estão sendo usados nas operações? Todos os efetivos estão localizado­s no Rio de Janeiro. Não veio ninguém de fora. As Forças Armadas têm 40 mil homens e mulheres aqui no Rio de Janeiro. Empregar 8.500 pessoas para nós é normal.

O senhor está otimista? Acha que agora vai?

O militar tem de acreditar no cumpriment­o de sua missão. Quem não acreditar, desiste e vai embora.

 ?? FABIO MOTTA / ESTADÃO ?? Exemplo. ‘Eu mesmo sou morador de Copacabana e levo uma vida tranquila’
FABIO MOTTA / ESTADÃO Exemplo. ‘Eu mesmo sou morador de Copacabana e levo uma vida tranquila’

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil