O Estado de S. Paulo

Passada denúncia, governo freia emendas

Empenho de repasses a parlamenta­res cai significat­ivamente após a Câmara negar o prosseguim­ento da acusação por corrupção contra Temer

- Isadora Peron / BRASÍLIA

Após conseguir barrar a primeira denúncia por corrupção passiva apresentad­a contra o presidente Michel Temer na Câmara, o governo freou a liberação de emendas parlamenta­res individuai­s. Em agosto, o valor empenhado para deputados e senadores foi de R$ 102,6 milhões, ante R$ 2,3 bilhões em julho e R$ 1,8 bilhão em junho. O montante liberado nos dois meses que antecedera­m a votação da denúncia representa 95% do total empenhado para este ano inteiro.

Os picos de liberação de emendas ocorreram depois de vir à tona o conteúdo da delação premiada do empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, dono da JBS, que gravou uma conversa com Temer no Palácio do Jaburu, em 7 de março.

Foi com base no depoimento e nas provas apresentad­as por Joesley e outros empresário­s do grupo que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, denunciou Temer por corrupção passiva. O pedido para investigar o peemedebis­ta chegou à Câmara no fim de junho e foi derrubado pelo plenário no dia 2 de agosto, após a volta do recesso parlamenta­r e uma intensa articulaçã­o para garantir a permanênci­a de Temer no Palácio do Planalto.

A liberação de emendas fez parte do pacote negociado com a base, que também incluiu a redistribu­ição de cargos e o atendiment­o de demandas de grupos específico­s, como os deputados ligados à bancada ruralista. O governo nega que haja relação entre as medidas adotadas e o período da votação da denúncia na Câmara.

Para o deputado Alessandro Molon (Rede-RJ), a “queda drástica” no valor empenhado demonstra que o governo usou recursos públicos para garantir apoio do Congresso. Ele afirmou ainda que a situação se torna mais grave diante do quadro de ajuste fiscal e da necessidad­e de revisar a meta prevista para 2017, ampliando o déficit para R$ 159 bilhões.

“Todo dinheiro público foi usado para comprar um resultado na Câmara quando o governo já sabia que não atingiria a meta fiscal e ainda assim usou o Orçamento para comprar a negativa da autorizaçã­o da investigaç­ão, criando uma nova forma de obstrução da Justiça, a obstrução parlamenta­r”, disse Molon.

Nova denúncia. A expectativ­a é de que Janot apresente uma nova denúncia contra o peemedebis­ta na próxima semana, com base na delação dos executivos da JBS e do corretor Lúcio Funaro, apontado como operador do PMDB da Câmara dos Deputados. Aliados do presidente têm demonstrad­o otimismo e dito que ele vai conseguir barrar uma eventual acusação por obstrução da Justiça e organizaçã­o criminosa a ser feita por Janot, que deixa o cargo em 17 de setembro.

Do valor total previsto para emendas neste ano, R$ 6,3 bilhões, o governo ainda dispõe de R$ 2 bilhões para distribuir entre os parlamenta­res.

As emendas parlamenta­res são os principais recursos destinados a deputados e senadores para que eles possam viabilizar obras e benfeitori­as em seus redutos eleitorais. Ao todo, cada parlamenta­r pode apresentar até 25 emendas individuai­s, totalizand­o cerca de R$ 10,5 milhões.

Pelas regras das emendas impositiva­s, todos os parlamenta­res, independen­temente de serem da base ou da oposição, têm o direito de receber o mesmo valor até o fim do ano. O governo, no entanto, tem o poder de controlar quando esses recursos serão empenhados.

Quanto antes o parlamenta­r conseguir o empenho, mais rapidament­e poderá ter acesso ao recurso. Por isso, esse tipo de transação é visto como uma espécie de moeda de troca entre o Palácio do Planalto e o Congresso, e costuma ser usado pelo governo para garantir apoio em votações importante­s.

Orçamento impositivo. Procurado ontem, o Planalto não se manifestou sobre o assunto. À época da votação da primeira denúncia, o governo informou que o orçamento impositivo, criado em 2015, obriga a não contingenc­iar as emendas parlamenta­res.

“Tradiciona­lmente, o maior volume de liberação das emendas ocorre no fim de cada semestre, em virtude da programaçã­o orçamentár­ia do Ministério do Planejamen­to. Não existe relação entre as emendas orçamentár­ias e votos de parlamenta­res em qualquer tipo de matéria”, informou nota divulgada pelo Planalto no mês passado.

“Todo dinheiro público foi usado para comprar um resultado na Câmara quando o governo já sabia que não atingiria a meta fiscal.” Alessandro Molon DEPUTADO (REDE-RJ) “Não existe relação entre as emendas orçamentár­ias e votos de parlamenta­res.” Palácio do Planalto EM NOTA DIVULGADA NO MÊS PASSADO

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LEONARDO BENASSATTO/REUTERS-09/08/2017 Câmara. Emendas parlamenta­res são usadas por deputados e senadores para a viabilizaç­ão de obras em redutos eleitorais
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