Diferença de valores provoca conflitos
Atrito faz parte da dinâmica organizacional; especialista aponta falta de gestão de gente
Neste momento, a advogada Simone Albuquerque (nome fictício) vive conflito tanto com sua chefia quanto com os valores da empresa. A mineira está noesse trabalho há cinco anos e conta que nesse período houve mudança profunda na política de gestão de pessoas.
“Quando entrei, a postura da companhia era voltada às pessoas e buscava a satisfação dos empregados. Hoje, os valores são outros. Estou vivendo muitos conflitos internos.”
Segundo ela, uma questão que a incomoda é que há grandes diferenças no tratamento dado aos funcionários. “Não chega a ser uma discriminação, mas tem colegas que fazem a mesma função e possuem benefícios diferenciados”, conta.
Simone já conversou com a chefia acerca das situações que a perturbam. “O problema é que, pelo fato de ser uma grande organização, as coisas demoram a serem resolvidas. E isso gera alto nível de insatisfação, não somente para mim e não vejo perspectiva de melhora.”
Ela diz que está se preparando para buscar nova colocação quando o mercado de trabalho estiver em melhor fase. “Estou estudando inglês e fazendo curso de atualização na minha área. Também procurei ajuda de coach de carreira. Não cheguei a ter problemas de saúde, mas o estímulo para ir trabalhar todos os dias é zero.”
Especialista em relações do trabalho, o professor e pesquisador da FEA/USP e PUC-SP Arnaldo Mazzei Nogueira diz que todo ambiente de trabalho, de alguma maneira, produz valores, serviços, bens, mas também produz conflitos.
O professor afirma que o conflito pode ocorrer quando, por exemplo, o ambiente de trabalho não permite trajetória de acúmulo, aprendizagem, crescimento e desenvolvimento. “O profissional se estranha com o seu trabalho e esta já é uma fonte de conflito que leva ao sofrimento, à angústia e estresse.”
Decepção. Foi o que aconteceu com a psicóloga Ana Paula Rodrigues. A possibilidade de ocupar cargo superior ao que exercia e ainda ganhar mais a levou a aceitar ser head de RH de uma empresa de um segmento que ela não conhecia.
“Muitas vezes, os conflitos ocorrem porque os valores da pessoa não batem com os da organização. Esse foi o meu caso.”
No cargo anterior, ela ocupava posição nível Brasil, na nova função cuidaria da América Latina. “Era um desafio de carreira e achei que não dava para recusar. Hoje, vejo que me precipitei”, avalia.
Ana Paula estava desempregada havia três meses quando aceitou a função. “Acabei ficando apenas seis meses na empresa, porque rapidamente entendi que não era aquilo que queria para minha vida. Naquele ambiente, eu não conseguiria me realizar pessoal e profissionalmente. Cometi um erro.”
O primeiro choque de realidade ocorreu quando conheceu a área na qual sua equipe estava instalada. “Era um local de difícil acesso, feio, sem condições adequadas para receber os empregados. Passei a questionar esse fato, pois o mesmo ocorria com as equipes de outras unidades. As equipes operacionais também recebiam tratamento pouco adequado, sob o meu ponto de vista.”
Segundo ela, as respostas que obtinha eram de que as mudanças sugeridas implicavam em aumento de custos e que aquele não seria o momento adequado. “Tentei propor algumas alterações nas práticas de RH, mas a maioria do que sugeria era sempre postergado. O foco da organização era muito voltado aos resultados financeiros de curto prazo.”
Ela conta que teve um problema de saúde e precisou ficar internada por dois dias. Nesse curto período, recebeu ligação informando que estavam aguardando sua presença para uma reunião. A gota d’água, no entanto, ocorreu algum tempo depois, quando enfrentou outro dilema em relação aos seus valores.
“Entendi que ali não era o meu lugar. Não podia continuar lutando contra o que acreditava somente para me manter empregada. Fiz uma análise, conversei com a família e resolvi conversar com meu gestor e explicar a situação, porque não queria mais fazer parte daquela cultura e organização. Acabei deixando a empresa.”
Depois disso, estudou fora e voltou a atuar no mercado corporativo. “Trabalhei na implantação de uma fábrica no Tocantins e fui expatriada na África. Mas tinha planos de me dedicar ao mestrado. Hoje, sou consultora de carreira e desenvolvimento pessoal e organizacional.”
Segundo Nogueira , o imperativo técnico-econômico e de resultado supera a visão das relações sociais no trabalho. “90% das empresas têm muito a caminhar no sentido de pensar a organização com característica mais humanista, com equidade e sentimento de justiça.”
Companhias que não adotam essa postura são produtoras de conflitos diários. “E como resolvem isso? Demitindo ou adoecendo as pessoas, inclusive os próprios dirigentes. Em vez de o trabalho virar local de desenvolvimento, vira local de adoecimento.”
Professor nas áreas de organizações e comportamento organizacional da Fundação Dom Cabral, Anderson Santana reforça a afirmação do colega de que o conflito faz parte da dinâmica organizacional. “A negação dos conflitos e das diferenças acaba levando à perda de controle, perda de mediação. Talvez estejamos muito mais treinados para mediar máquinas do que para mediar gente.”
Nogueira ressalta que os profissionais de recursos humanos deveriam pensar mais nessas questões. “Muitas vezes, as áreas de RH são fracas para estabelecer políticas nesse campo, porque se colocam distantes das unidades de trabalho.”
Santana concorda que as atividades dos departamentos de recursos humanos apresentam falhas em alguns aspectos.
“Enquanto o RH fica gerindo processos e monitorando indicadores, cadê o gerir gente? Isso que fazem é necessário, mas não é suficiente. Qual porcentual de tempo dedicam à mediar conflitos e gerir gente? Escuto muitas queixas de pessoas que não se sentem reconhecidas. Isso gera prejuízos, reduz a produtividade, leva à perda de pessoas talentosas e também à ocorrência de sabotagem. Se a pessoa se sente à parte, ela não compra a ideia”, ressalta.